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Quem acha que Convention & Visitors Bureau (CVB) é sinônimo de marketing de destino precisa rever urgentemente seus conceitos.

. Este antigo modelo pode ter funcionado bem no passado, mas hoje se obsoletou. Foi detonado pela própria dinâmica do mercado e dos novos tempos. Agora, o mercado convive com uma inédita disputa acirrada entre destinos para atrair viajantes, que por sua vez andam cada dia mais conectados e exigentes.

Como criança que cresceu e não cabe mais nas roupas, os objetivos do velho CVB ficaram muito restritos para as necessidades atuais. Por exemplo, não basta mais só atrair convenções e eventos profissionais para o local. Ou querer viver só de taxas cobradas nas diárias de hotéis. Ou pior, mendigar verbas a fundo perdido de governos e políticos, quase sempre insensíveis a assuntos que não dão muitos votos.

Não basta apenas mudar o nome da organização, e substituir o velho e gasto CVB por algo mais charmoso em inglês, tipo “Visit-nome-do-lugar”. Aqui não cabem mais remendos quebra galho de terminologia, mas sim uma tremenda evolução do conceito. Isto implica em repensar seriamente o próprio modelo de negócio. Isto inclui desde ampliar a missão da organização responsável pelo Turismo da cidade, rever processos antiquados, e até escolher melhor os seus executivos.

Assim nasceu a DMO (Destination Marketing Organization, ou organização de marketing de destino). No começo veio apenas para substituir o CVB com uma visão mais ampla. No entanto, em pouco tempo a sigla também se mostrou incompleta, diante do acréscimo de novas atribuições. Para refletir a maior ambição e turbinagem das operações, algumas até agregaram mais letras ao nome. Não são poucas as que as que já atendem por DDMMO (Destination Development, Management and Marketing Organization, ou organização de desenvolvimento, gestão e marketing do destino).

“As DMOs estão mudando radicalmente suas estruturas. O foco agora é cada vez mais se concentrar na gestão do destino e menos em apenas atrair mais visitantes”, explica Iain Cossar, que responde pelo turismo da Nova Zelândia. Não é apenas sua opinião. “O mesmo movimento se observa em larga escala”, completa Anna Leask, professora de Administração de Turismo da Universidade Napier de Edimburgo, Escócia.

Estas avaliações coincidem com o que é realizado atualmente em Liverpool, na Inglaterra. “Nossa organização evoluiu ao longo dos anos. Agora operamos como agência de viagens. Temos 500 membros, formados por atrações, hotéis, locais para eventos, restaurantes e bares da região. É fundamental contar com fortes relações profissionais com estes parceiros, trabalhar em conjunto, descobrir quais são seus mercados e clientes, e como ajudar a atraí-los”, explica James Wood, gerente de campanhas de marketing da cidade.

Para DT Minch, CEO da Experience Kissimmee, nos Estados Unidos, a gestão do destino ganhou imensa importância. “A principal diferença entre os CVBs clássicos e os DMOs de hoje é que a letra M deve representar não apenas o marketing do destino, mas também o seu gerenciamento (management). Hoje, uma DMO precisa estar ativa na atuação junto a governos locais no desenvolvimento da infraestrutura futura, e dos estabelecimentos que promovem a melhoria do destino”.

Minch explica que, assim como em Kissimmee, normalmente há dois tipos de agências que oferecem suporte aos destinos. Uma delas é governamental pública e outra, entidade pública/privada. A primeira tem maior envolvimento nas operações e infraestrutura da cidade. Já a segunda mantém um contrato com a agência do governo para fornecer serviços de marketing para divulgar o destino. “A maioria dos executivos de uma DMO é escolhida por meio de uma busca nacional, conduzida por empresa de recrutamento terceirizada”, conclui o dirigente.

A importância de uma DMO azeitada se torna crucial em cidades como Orlando, nos Estados Unidos, com seus imensos parques temáticos e centros de compras. “Nosso turismo gera 70 bilhões de dólares anuais e emprega 41% dos trabalhadores da região”, explica George Aguel, Presidente da Visit Orlando. Cabe à sua organização, com 1.200 empresas associadas, cuidar não só da marca e mercado, mas também vender o destino em escala global para consumidores, agentes de viagens e planejadores de convenções.

 

Se no passado a meta era essencialmente atrair o maior número possível de visitantes para uma cidade, isto está mudando, principalmente por causa do fenômeno do overturismo. Hoje, os destinos querem desestimular hordas despersonalizadas que invadem ruas, consomem pouco, desgastam patrimônios, e afetam a qualidade de vida dos moradores. Preferem receber viajantes mais qualificados, e principalmente alinhados com os interesses locais.

Tampouco dá mais para examinar um destino sem usar as lentes da Sustentabilidade. Segundo o estudo “O Futuro das DMOs”, produzido pelo European Cities Marketing, este tem deixou de ser apenas a preocupação com o meio ambiente. Agora inclui necessariamente o equilíbrio econômico e social de um lugar. De acordo com o trabalho, é preciso evitar os dois extremos que podem afetar as iniciativas de turismo. Um deles é provocar o excesso de visitantes (overturismo). O outro é gerar insatisfação da comunidade e reação negativa de seus representantes políticos. Conclui o relatório: “O que atrai mesmo numa cidade é a sua alma, que é a primeira coisa a se evaporar quando o local é inundado por turistas”.

Assim, a questão tornou-se bem mais complexa. A meta não é apenas gerar de renda e bons negócios para todos que vivem do turismo. Os residentes também querem garantias de que o incremento de turistas não vai afetar sua qualidade de vida. Este passou a ser o ponto de partida de tudo o que vier a ser realizado. Em seu novo papel, a DMO precisa incluir necessariamente a mobilização da comunidade. Esta abordagem requer inclusive gerar oportunidades para os moradores participarem diretamente do esforço coletivo. Isto pode ser feito através de consultas prévias sobre planos, administração e projetos de marketing desenvolvidos para o destino.

Os viajantes, por sua vez, não aceitam mais ser tratados como gado. Estão atrás de experiências únicas e personalizadas. Para acompanhar este movimento, a comunicação sobre o destino deve captar e enfatizar como vivem os moradores e por que consideram sua cidade como única.

Da mesma forma, a marca de um destino não pode transmitir algo fake. Deve, isto sim, refletir autenticidade. Outro atributo fundamental é um slogan facilmente compreendido por todos, e que demonstra como se diferencia dos destinos concorrentes. Um exemplo é o que é feito na cidade inglesa de Liverpool, terra dos Beatles e do seu famoso time de futebol. “Nosso turismo circula em torno de três temas: Música, Esporte e Cultura. A cidade conta também com um centro histórico formado por uma arquitetura georgiana e vitoriana muito bem preservada”, comenta James Wood, Gerente de Campanhas de Marketing de Liverpool.

Na falta de maiores atrativos, as cidades buscam também divulgar sua maior vocação. Como Kissimmee, vizinha de Orlando, onde há a maior concentração de parques temáticos da Flórida. A cidade ao lado resolveu então se vender como a “capital mundial das casas de férias”. São mais de 22 mil, que vão de apartamentos de 2 quartos a mansões de 15 suítes.

Nesta mesma direção, o foco da atratividade do destino deve ser qualidade de vida da cidade como um todo, e não apenas seus pontos turísticos. Até porque a vontade atual do visitante de explorar e se sentir parte de um lugar não é uma tendência. Veio para ficar. A exigência de tratamento personalizado tipo P2P (pessoa a pessoa) se expande a cada momento. Tornou-se inerente à vida de qualquer lugar. Está presente em todos setores do turismo, da hospitalidade, tours e transportes até a alimentação.

Uma coisa é certa. Nenhuma organização consegue atingir sozinha tantas metas. Por isto, é recomendável estabelecer parcerias válidas e duradouras. Por exemplo, com universidades locais, para analisar dados. Ou campanhas, com o apoio de agências, sejam elas online ou não. Ou ainda forças-tarefa políticas para enfrentar desafios específicos.

Tudo isto exige radical mudança de mentalidade das DMOs. Consiste em “menos promoção, mais atração”. É preciso abrir mão de ser sempre o centro da decisão (por vezes frívola demonstração de prestígio pessoal dos seus representantes). No lugar, as organizações que fomentam o turismo de um destino devem se tornar o núcleo de uma rede de colaboração. A palavra de ordem deixou de ser simplesmente “gerenciar”, mas sim “gerenciar parcerias”.

Finalmente, a questão mais sensível: Os recursos financeiros. As DMOs que dependem de poucas e limitadas fontes de renda ficam mais vulneráveis às mudanças políticas, cortes orçamentários, e crises. O correto é operar com amplo e diversificado escopo de participantes para evitar choques que coloquem em risco compromissos assumidos ou planos de longo prazo. A NYC & Company, que é o nome da DMO da cidade, conta com 2 mil associados, em um rico espectro que inclui de hotéis, restaurantes, museus, comércio, teatros, operadoras de turismo, até atrações. Estas instituições privadas garantem mais de 60% do orçamento anual.

Não dá mais para depender de verbas quase que exclusivamente obtidas através da da hotelaria. Ou em muitos casos exclusivamente de governos. É preciso sensibilizar e conseguir engajar todos os elos da cadeia econômica do Turismo. Afinal, seus negócios igualmente se beneficiam com a maior vinda de visitantes à cidade. Isto exige uma estratégia de comunicação e marketing bem definida, que chame a atenção e mobilize para mais associações, patrocínios e investimentos. Esta ação se torna bem mais fácil quando há métricas e demonstração de resultados. Exigem metas realísticas, indicadores de desempenho, e apresentações de impacto positivo, inclusive para os parceiros.

Como se não bastasse esta coleção robusta de desafios, é preciso ainda engajar os políticos a favor do setor. Afinal, quando menos se espera, o Turismo pode perder a prioridade e se tornar alvo fácil de cortes orçamentários públicos.

Resumindo: com a globalização e divulgação massiva de fotos e textos sobre um destino por todos os meios, inclusive redes sociais, houve uma banalização de imagens e informações. Uma cidade não pode mais viver apenas de suas belas vistas, prédios e monumentos. O viajante atual está muito mais interessado em conviver com o lugar, sentir o ambiente, e conhecer seus moradores. Além de conhecer o destino, ele quer se sentir como um “local”, onde também possa investir tempo, dinheiro e energia emocional. Por isto, o futuro não pertence mais apenas às cidades que conseguirem atrair turistas e negócios. No novo contexto, só vão liderar os destinos que também souberem mobilizar a população para oferecer ao turista hospitalidade e uma experiência inesquecível.

 

A nova missão das DMOs

Entrevistamos com exclusividade o consultor Peter Jordan. Ele é um dos maiores especialistas em tendências de viagens e indústria de turismo. A sua larga experiência inclui trabalhos para a World Tourism Organization. De Amsterdam, de onde gerencia diversos projetos internacionais para a TOPOSOPHY, Jordan avaliou o novo papel da DMO (Destination Marketing Organization).

  1. Quais os passos que um destino deve seguir se decidir implantar uma DMO? Como estabelecer uma organização que traga o DNA da cidade e assim se distinguir da concorrência?

PJ – Como temos observado na Europa, a primeira responsabilidade de uma DMO não é mais necessariamente atrair visitantes. A meta agora é desenvolver o turismo para que traga benefícios duradouros ao destino, assegurando que eventuais impactos negativos sejam gerenciados de forma correta. Para descobrir o verdadeiro DNA de um local, dá para aprender muito ao entrevistar moradores e saber o que os encanta onde vivem. Os bloggers locais são outra boa fonte de informação. A abordagem antiga de um grupo políticos decidir o que determina a identidade de um destino não funciona mais. As redes sociais tornaram este processo muito mais democrático.

  1. Quais são as características de uma DMO de sucesso?

PJ – As melhores DMOs atuais colocaram foco total no destino em si, assumiram um papel ativo na melhoria da experiência do visitante, espaços públicos, e planejamento da desconcentração turística. Percebem que não podem administrar tudo, mas desempenhar a útil função de facilitadores. Por exemplo: viabilizar conexões dos negócios locais para que os fornecedores de turismo trabalhem melhor em conjunto. Ou incentivar a educação, ao trazer especialistas em sessões de treinamento de negócios. Ou ainda ajudar a comunidade local, ao construir uma marca forte, que é ao mesmo tempo autêntica e que significa algo. Estas DMOs perceberam que o sucesso não se mede apenas pelo número de chegadas e gastos dos visitantes. Envolve maior gama de indicadores, como crescimento do número de empregos e pequenos negócios, número de jovens com trabalho, sentimento da comunidade sobre turismo etc.

  1. Como a DMO se diferencia do que era feito no passado?

PJ – No passado as organizações se fixavam em um número limitado de indicadores, e queriam o crescimento a qualquer custo, porque soava bem para a imprensa. Enormes quantidades de dinheiro foram gastas em promoção com poucas perguntas a respeito do retorno sobre o investimento ou se este esforço representou o destino de forma autêntica. Hoje o turismo ganha importância se a DMO conseguir transformar este crescimento em maior benefício para a economia local.

  1. Qual o papel do governo nas DMOs?

PJ – Um dos paradoxos do crescimento no Turismo é que exige envolvimento e intervenção do governo, e isto ocorre justamente numa época em que está mais relutante devido a pressões sobre os gastos públicos. Ao mesmo tempo, é importante para os negócios que lucram com os visitantes entender que não podem apenas obter os benefícios, e deixar o resto por conta do governo. O empresariado também tem que contribuir na gestão do destino. Isto exige definir o tipo de melhorias necessárias para desempenhar sua atividade (como infraestrutura ou reforma de espaços públicos).

  1. Como os executivos de uma DMO devem ser selecionados?

PJ – No passado, quando o marketing de destino era exclusivamente responsabilidade do governo, em geral os dirigentes eram escolhidos entre funcionários de carreira pública ou afiliados a um partido político. Esta situação ainda não acabou completamente, e isto muda de país para país. Contudo, a promoção e gestão do destino se tornaram mais complexas, assim como as expectativas das DMOs se ampliaram em termos de desempenho e impacto na economia. A consequência é maior pressão sobre os responsáveis pela gestão. O problema é que nem sempre eles possuem habilidades políticas, especialmente como trafegar com desenvoltura na área que cobre expectativas dos negócios e Governo.

  1. Quais são os principais erros cometidos pelas DMOs?

PJ – Para mim, o erro principal é seguir a velha mantra de “crescer a qualquer custo”. Mas à medida que as pessoas acreditam cada vez menos nas fontes oficiais, os resultados financeiros não querem dizer nada sem melhoria nas condições locais. Neste contexto, é fundamental para uma DMO mostrar o genuíno impacto e os meios necessários para melhorar a vida da comunidade. Isto vai muito além de só obter mais gastos por visitantes.

 

DMO: os primeiros passos

James Wood, do Marketing Liverpool, dá as seguintes sugestões para implantar uma DMO de sucesso:

– Desenvolva metas realistas e objetivos apoiados por um plano estratégico robusto

– Recrute um bom time, incluindo quem tem excelente conhecimento do lugar

– Crie uma sólida base de associados e parceiros

– Estabeleça uma base de dados de tanto do mercado consumidor como de negócios

– Seja realista com os orçamentos necessários e previsões de renda

– Alinhe bem com os parceiros quais as atividades que pretende trabalhar em conjunto

– Agregue plataformas digitais e antecipe futuros desenvolvimentos

– Busque aliados em todo os elos da indústria, tanto local como internacional

– Explore novas oportunidades de obter recursos

– Estude tendências de mercado e identifique oportunidades

 

DMOs: O que fazer e não fazer

A partir das recomendações de James Wood (Liverpool) e DT Minch (Kissimmee), listamos os erros e acertos na gestão de uma DMO

O que fazer:

– Convide líderes turísticos, civis e do governo para participar do planejamento e implantação.

– Estabeleça uma ótima relação de trabalho com seus parceiros de Turismo

– Busque oportunidades para trabalhar de forma colaborativa (local e internacional)

– Desenvolva parcerias setoriais em torno dos principais ativos do destino

– Mantenha todos os “stakeholders” envolvidos e informados nos processos e decisões

– Seja criativo e inovador

 

O que não fazer:

– Não ignore as tendências de mercado, pois podem representar oportunidades

– Não subestime o valor do planejamento para o futuro

– Não despreze os parceiros – mantenha-os informados e atualizados

– Não queira fazer tudo sozinho; as parcerias são muito importantes

– Não vá frente se não obtiver consenso total de todos os envolvidos nos projetos.

 

 

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