CIDADES DO FUTURO
23 de março de 2015
ORLANDO, ONDE O MUNDO SE DIVERTE
14 de julho de 2015

Já ouviu falar em ‘uberização’? É a chamada economia colaborativa, onde aplicativos, como o Uber e o Airbnb, sinalizam um novo meio de fazer negócios. Apoiados em smartphones e tablets, estabelecem linha direta entre consumidores e fornecedores, oferecendo serviços personalizados. Atuam nos transportes, como carros de aluguel, na hotelaria e causam, como tudo que é novo, muito barulho onde chegam

Se há um ano alguém fosse picado pela mosca tsé-tsé contraindo a doença do sono e acordasse hoje, teria dificuldade para entender o que significa Uber e Airbnb, e porque estes dois nomes até recentemente desconhecidos provocam tanta celeuma nas cidades onde aparecem. É que, mais que palavras estranhas ou sopa de letras do novo vocabulário urbano, elas simbolizam um novo conceito de fazer negócios, conhecido como economia colaborativa.

O que é isto? Nada mais do que criar aplicativos que se apoiam na tecnologia de comunicação e equipamentos móveis, como smartphones e tablets, para estabelecer uma linha direta entre consumidores e fornecedores, geralmente antes desagregados. Parece pouco, mas este processo tem revolucionado hábitos arraigados, pois estabelece alternativas mais vantajosas a serviços já consolidados, como os táxis, no caso do Uber, e hospedagem, como a Airbnb.

O Uber, criado por startup americana para organizar em um único lugar o acesso a carros de aluguel, que até então autônomos, surgiu em 2009. Cinco anos depois, já era uma poderosa empresa presente em 300 cidades de 55 países, avaliada em 45 bilhões de dólares. Hoje, só nos Estados Unidos, engoliu quase metade dos transportes terrestres de viajantes de negócios, e avança em todas as cidades com serviços diferenciados. O que o aplicativo faz em resumo: disponibiliza bons carros com motoristas educados que cobram uma tarifa só 5% superior a de um táxi comum, sempre pagos com cartão de crédito (ver box).

A Uber descobriu que a vida de pioneiro não é fácil. A sua chegada a qualquer cidade tornou-se senha para provocar a ira de taxistas. Foi assim na Espanha, na França, e em dezenas de metrópoles em todo o mundo. O roteiro é parecido. Os taxistas, além de se manifestar ruidosamente contra o aplicativo, ganham a seguir a simpatia e adesão dos governos. É aí que prefeituras e Estados descobrem que não ganham um centavo com o aplicativo em taxas e impostos. “É preciso considerar que antes do Uber simplesmente não havia este serviço. Nada mais natural que falte regulamentação para algo que não existia”, explica Fabio Sabba, porta-voz da Uber.

No Brasil, bastou um ano para pipocarem protestos de taxistas nas cidades onde a Uber chegou: Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Em abril de 2014, o trânsito já caótico paulistano foi paralisado com manifestações de 2.500 motoristas incentivados por sindicatos e cooperativas. Como consequência da pressão, uma liminar em favor do sindicato dos taxistas do Estado determinou a suspensão dos serviços da Uber no país. Além de multas pesadas pela desobediência, o juiz foi mais longe: proibiu o Google, Apple, Microsoft e Samsung de fornecer o aplicativo e exigiu suspender remotamente o serviço de usuários que já o possuam instalado em seus celulares. Se a liminar será cassada, é outro capítulo de uma novela de sobressaltos, recheada de vitórias e derrotas para ambos os lados, e que deve se estender por muito tempo.

O mesmo turbilhão que a Uber provoca no universo dos transportes individuais, o Airbnb causa nos meios de hospedagem. Adotando o princípio similar, a empresa se define como um mercado comunitário para pessoas comuns anunciarem e reservarem acomodações através da internet. Trocando em miúdos, um aplicativo organiza a distribuição antes individual de quartos em residências particulares. Orquestrados sob a mesma batuta, proprietários de imóveis ganharam em conjunto um poder de fogo financeiro superior à maioria das redes hoteleiras. Com comissões competitivas entre 6 e 12%, ela se tornou a segunda maior startup da indústria de viagens, avaliada em 20 bilhões de dólares (ver box). O Airbnb surgiu em 2008 em São Francisco, Califórnia, mesmo berço da Uber. Está presente em mais de 34.000 cidades de 190 países. No Brasil já conta com 45 mil locações, 20 mil delas no Rio de Janeiro.

Na prática, o Airbnb aproveitou-se do cochilo da indústria hoteleira, que com o crescimento abandonou a essência original: oferecer serviço, cordialidade e conforto. Rápida no gatilho, a empresa virtual consegue acionar de imediato o parque instalado de residências disponíveis em um lugar para iniciar seus negócios, enquanto os hotéis levam até quatro anos entre a decisão de construir até a operação. Um recente exemplo foi a conquista de 50% do mercado cubano assim que o governo americano decidiu normalizar as relações entre os países (ver box). Tampouco deixou passar batida a oportunidade de se tornar fornecedor oficial de serviços de hospedagem alternativa dos Jogos Olímpicos Rio 2016.

Diferente da reação dos taxistas, os meios de hospedagem perceberam que não é criando empecilhos operacionais para o aplicativo que iriam recuperar a preferência do consumidor. “Os hotéis precisam se reinventar e resgatar a magia da hospitalidade”, afirma o consultor em economia colaborativa Colin Nagy. Menos barulhentos, mas não menos preocupados, os hoteleiros preferem correr atrás do tempo perdido. Há os mais pragmáticos, que encontraram fórmulas de conciliar suas atividades tradicionais com a do Airbnb, transformando o problema em oportunidade.

“A uberizacao dos negócios é uma nova indústria”, explica o especialista Cezar Taurion. De fato. Filhos legítimos da economia compartilhada e colaborativa, tanto Uber como Airbnb representam tecnologias disruptoras, capazes de modificar paradigmas consagrados, e com isto obrigar o mundo a se adaptar a um novo modelo (ver box). O seu exemplo será replicado cedo ou tarde nas demais áreas da economia, a começar pela alimentação. Ambos aplicativos tiveram a visão de usar em suas áreas os smartphones e tablets como ferramentas de simplificação, capazes de se travestir ao mesmo tempo em GPS, câmera, cartão de crédito, gerador de mensagens ou de conexão com as mídias sociais, entre outras funções. Estima-se que em 2017 mais de três bilhões de pessoas do planeta terão um smartphone, sendo que as 40 milhões de unidades já existentes no Brasil devem quase dobrar.

“Um foguete jamais será capaz de deixar a atmosfera terrestre”, afirmou o jornal New York Times em 1920, para ter que se retratar no em 1969, quando a Apollo 11 chegou à lua. “Não há qualquer possibilidade do iPhone obter uma participação significativa no mercado”, foi a declaração desastrosa do então todo poderoso presidente da Microsoft Steve Ballmer ao jornal USA Today em 2007.

A resistência a inovações e tecnologias emergentes se confunde com a história da humanidade.  Quando implantadas, causam resistência cultural e burocrática, para a seguir serem assimiladas até ganhar legislação própria. Foi assim com o primeiro carro que surgiu em 1769 na França. O complexo veículo de três rodas movido a vapor encontrou imensa má vontade dos defensores do transporte a cavalo. Coração da indústria de transporte, os animais eram tão populares que o trem era conhecido na época como “cavalo de ferro”, a bicicleta, como “cavalo de pobre”, e o bonde elétrico, como “carroça sem cavalo”. Em 1901 o presidente do Michigan Savings Bank chegou a declarar: “O cavalo veio para ficar, mas o automóvel é apenas um modismo”. Uma frase que o tempo se encarregou de ridicularizar. Nem o lobby da poderosa indústria equestre de então – em 1880 haviam mais de 200 mil cavalos circulando em Nova Iorque e no Brooklin – conseguiu interromper a evolução tecnológica. O mesmo tipo de reação aconteceu, só para mencionar situações recentes, quando surgiram alternativas digitais para produtos consagrados, como a fotografia, o livro e a imprensa. Isto sem falar na Netflix e a choradeira atual das operadoras de cabo…

Tanto Uber como Airbnb declaram interesse em soluções para se adequar à legislação brasileira, a exemplo do que já ocorreu nos Estados Unidos, onde operam sem sobressaltos. Afinal, não se rema contra o progresso. Até porque, mais que tecnologia e economia gerada, há um ingrediente que alavanca o sucesso meteórico dos dois aplicativos. É que em seu DNA está a confiança e segurança do consumidor, a garantia implícita de que não será enganado nem correrá riscos, algo com demanda infinita nos dias de hoje.

Uma bomba chamada disruptura

Estamos à beira de uma explosão provocada pelo excesso de informação, que ao se digitalizar ganhou vida própria e infinitas frentes, tornando-se difícil de administrar. O fenômeno ganhou o nome de disruptura. Tem como combustível os dados armazenados no mundo – 90% criados nos últimos dois anos, e que devem crescer 50 vezes até 2020. O estopim são os seis bilhões de portadores de dispositivos móveis no mundo, que já alcançam 87% da população do planeta.

Isto afeta em especial as áreas que lidam com mobilidade – do turismo à hotelaria, das viagens aéreas aos transportes terrestres. O consumidor exige experiências mais individualizadas, quer se sentir engajado, deslumbrado e compreendido em suas necessidades. Demanda ser tratado de forma personalizada. O desafio é decifrar estas informações digitais abundantes mas desorganizadas e transformá-las em dados úteis para melhor entender o consumidor. Uma nova geração de empresas, a começar pela Uber e Airbnb, já entendeu isto e explora a nova tendência com muita competência.

A Airbnb e as redes hoteleiras

Valor de Mercado

em milhões de dólares

Hilton                           $ 28

Marriott                         $ 23

Airbnb                           $ 20

Starwood                       $ 14

Wyndham                      $ 11

Accor                            $ 11

IHG                              $ 11

Hyatt                            $   9

Choice Hotels                 $   4

HomeAway                   $   3

Fonte: Yahoo Finance

Airbnb em Cuba

Mal o Presidente Obama anunciou as primeiras medidas para reatar as relações dos Estados Unidos com Cuba, interrompidas há 50 anos, e em apenas três meses a Airbnb angariou mais de mil residências locais para seu aplicativo. O processo foi acelerado porque já havia uma cultura de alugar “casas particulares” – uma rede de residências familiares que servem de receita suplementar para centenas de famílias. Vai de apartamentos em Havana a casas com vários quartos nas praias. Ao preço médio de 43 dólares, soa como pechincha para milhares de norte-americanos ávidos em conhecer Cuba.

Como funciona a Uber

Quando o passageiro solicita o carro pelo smartphone, vê no dispositivo uma foto com o perfil do motorista, a nota dada por outros clientes aos seus serviços, e localização no GPS. Só entra para a Uber motorista com histórico escrutinado, que pode ser eliminado caso não seja bem avaliado. Ele só dirige carros de luxo, veste terno, abre a porta para o passageiro, oferece água, revistas e salgadinhos e deixa o ar-condicionado ligado. A corrida sai 5% mais cara que a de um táxi, tem o trajeto definido pelo Google Maps e é debitada em cartão de crédito.

Arquivo PDF

Comments are closed.