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DISFUNCIONALIDADE - Às custas das empresas, o corporativismo de agências promove ineficiências e baixa digitalização.

Disruptura soa como palavrão para a maioria dos agentes de viagens, especialmente as corporativas. O medo de alterar o confortável status quo, mesmo que em prejuízo de clientes, tira o sono dos que exploram o suculento setor de viagens de negócios. Criou-se um modelo que repele tentativas de mudança nos processos. Mesmo sabendo que isto representaria evidentes benefícios aos seus clientes. Sobre o assunto entrevistamos Marcelo Linhares. O CEO da Onfly, agência de viagens corporativas online em plena expansão, não fugiu da raia. Respondeu de forma honesta e corajosa todas as nossas 5 Perguntas Sem Censura.  

MARCELO LINHARES, CEO DA ONFLY: “As agências tradicionais negligenciam a inteligência dos clientes”

1 – Diante da crescente digitalização e uso da inteligência artificial em processos de todos os setores econômicos, na busca por eficiência e produtividade, como explicar o descompasso do trade de Viagens e Turismo, que ainda privilegia modelos de atuação por vezes obsoletos, disfuncionais e supérfluos? Qual o impacto nesta indústria da mudança de hábitos de consumo em viagens e eventos?

Do ponto de vista do cliente, a resistência a modelos digitais não seria prejudicial e até um desserviço, ao promover custos dessintonizados com os interesses de empresas e indivíduos?

ML – Estou há pouco menos de três anos no Turismo. Por isto, me considero um “outsider” e tento ver as coisas da forma menos enviesada possível. Nos últimos 18 anos vivenciei outros setores, como varejo, mídia e educação. Por isto, fico confortável em afirmar que comparado a outros segmentos, o Turismo é de longe o mercado com menor maturidade digital que conheci.

POUCA INOVAÇÃO 
A insistência em manter tudo do jeito que está, com pouca inovação, é movimento natural de defesa de players tradicionais que lideram e se beneficiam desta ineficiência.

Existe interesse econômico para que as coisas não se modifiquem. Por outro lado, nenhum mercado está ilhado no meio de tanta mudança que está acontecendo. O consumidor já percebeu que há formas melhores, e naturalmente é onde ele vai investir o dinheiro.

Eu defendo que o “trade” turístico precisa se reinventar, trazer mais pautas sobre digitalização, tecnologia, simplificação de processos e desintermediação da cadeia, com foco no cliente e não nele próprio.

Qualquer empresa deve trabalhar de acordo com os interesses dos seus acionistas, o que significa aumentar a produtividade e simplificar processos. São formas inteligentes de gerar valor. Mas há profissionais que fazem o contrário. Burocratizam, usam processos manuais com pouca transparência, centralizam de forma exagerada, e fazem de tudo para se manterem artificialmente relevantes. No final a empresa acaba tendo custos maiores na gestão de viagens e reembolsos.

2 – Quais as principais distinções da agência de viagens digital, como a Onfly, em relação à agência tradicional, que hoje predomina no mercado brasileiro? A agência digital adota processos e traz resultados realmente superiores, ou é só uma questão de digitalizar procedimentos já existentes? Enfim, não se trata apenas de uma questão mercadológica para no fim vender a mesma coisa com outra roupagem e nome?

ML – A agência de viagens tradicional e a online como a Onfly entregam a mesma coisa: reserva de passagem aérea, hotel, ou locação de carro. A diferença está na jornada.

Enquanto na agência tradicional o processo passa por interação de pessoas e sistemas com claros equívocos de usabilidade, na agência digital tudo é online, automatizado, e em plataforma mais amigável. Isto confere maior poder de escala e velocidade entre a solicitação e a emissão.

VIÉS DO EMPONDERAMENTO

A agência online tem um viés de empoderamento do cliente. Parte do princípio de que se ele tem capacidade de fazer suas viagens de lazer, vai também conseguir realizar suas viagens a trabalho.

As agências tradicionais assumem um grande equívoco como premissa: acreditam ser os únicos detentores do conhecimento. Negligenciam a inteligência do cliente, como se todas as reservas tivessem que passar pelas mãos de um profissional “qualificado”.

Isto cria uma repulsa no viajante. Ele pensa “se na minha viagem a lazer eu entro no site da companhia aérea e faço a compra, por que raios na minha viagem a trabalho eu preciso de alguém para me ajudar?”

SEM INTERMEDIAÇÃO – “Nenhuma empresa quer fazer acordo com uma agência porque ela está associada a uma determinada associação, mas contratar quem entregar a melhor solução”

 

As agências digitais já nasceram com o foco de criar uma experiência de compra melhor para o viajante, semelhante a que ele possui no lazer.

O viajante não precisa de ser treinado para usar a plataforma, da mesma forma que ninguém faz curso para acessar Instagram, Facebook, WhatsApp, LinkedIn. E muito menos para comprar passagem aérea. Para quê treinamento de algo que deveria ser óbvio? As agências tradicionais fazem isto para assumir um protagonismo que não deveria existir.

Há ainda outro problema: o esforço dos fornecedores para desintermediar a cadeia de valor. As companhias aéreas e hotéis investem um caminhão de dinheiro em P&D e em descontos para oferecer uma experiência melhor de compra direta. Por isto o desafio dos intermediários da cadeia, como a agência de viagens, é aumentar a geração de valor para o cliente. Isto se traduz em profundo entendimento da jornada do viajante em todas as etapas, inclusive conseguir se integrar ao ERP do cliente.

A agência que não se especializar e entender a necessidade do cliente deverá desaparecer. Ele não vai valorizar nem remunerar intermediários que não gerem mais valor à cadeia.

3 – Como explicar a forte concentração de agências de viagens corporativas (TMCs) em menos de 30 players gigantes no Brasil, e que na prática monopolizam este segmento, considerado o filé mignon do mercado de viagens e turismo? Enquanto o setor de lazer é pulverizado em milhares de agências que concorrem sem barreiras de entrada, o que impede acesso a um número maior de concorrentes no segmento de viagens corporativas?

ML – Existem mercados mais concentrados no Brasil, como o bancário. O reflexo é que cinco grandes bancos comerciais detêm o maior spread bancário do mundo. Por isto, surgiram centenas de Fintechs para democratizar este mercado.

Situação semelhante ocorre hoje com as viagens corporativas. Criaram associações cujos membros trabalham incansavelmente para defender seus próprios interesses, negligenciando os do cliente.

Nenhuma empresa quer fazer acordo com uma agência porque ela está faz parte de determinada associação. Quer, isto sim, contratar quem entregar a melhor solução. Ou seja, menor custo, mais agilidade, melhor atendimento, e que cumpra as melhores práticas de sustentabilidade.

TRANSFORMAÇÃO INCONTROLÁVEL 

O mercado de viagens corporativas vai ser completamente transformado nos próximos dez anos, como ocorreu com todos os demais. As associações não têm poder para evitar isto, assim como as cooperativas de táxi não foram capazes de proibir plataformas como o Uber. Da mesma forma gigantes de mídia não conseguiram conter plataformas de streaming, como Netflix e Amazon.

4 – Com a forte expansão da digitalização das viagens corporativas, o que justifica a função do gestor de viagens (travel manager) do jeito que é praticado hoje? Seria um cargo necessário, supervalorizado, precisaria ser reinventado, ou extinto? 

ML – Grande parte das profissões estão sendo reinventadas. O gestor de viagens precisa assumir o protagonismo nas empresas. Deve ser o primeiro a trazer inovações e melhorias de processos. Caso contrário alguém de fora vai olhar para aquilo, ir ao mercado, descobrir soluções mais eficientes, e fazer mudanças de forma bem mais dolorosa para o gestor.

Renato Mendes, ex CMO da Netshoes, tem uma frase que eu gosto muito: “seja você o primeiro a destruir o seu modelo de negócios”. Acho que isto se aplica muito ao gestor de viagens. Ele precisa ser protagonista da transformação do seu setor. No meio de tanta digitalização e automação, ele deve assumir uma visão mais analítica e orientada a dados, e menos operacional. Ou a categoria será tragada pelo avanço da tecnologia.

FIM DO CLIENTE ENGESSADO – A agência precisa transferir para o cliente o protagonismo da ação

5 – Como explicar os pífios resultados do setor de viagens e turismo no Brasil quando comparado com outros destinos internacionais até menos privilegiados? Até que ponto o forte corporativismo do trade é responsável pelos péssimos resultados do Turismo no Brasil? Na sua opinião, que fatores impedem o progresso e produtividade à altura do nosso mercado?       

ML – Venho do setor de tecnologia no varejo e e-commerce. É o mercado mais sangrento e disputado que existe, com barreiras de entrada praticamente zero, mas um nível de crescimento e inovação enorme. Mas nunca vi alguém combinar o jogo de não oferecer “frete grátis”, ou tabelar preço de produto de software. Sempre havia um interesse enorme em pautar discussões para o bem do mercado, sobretudo em favor do cliente.

BENEFÍCIO PRÓPRIO

Já neste trade percebo algumas associações trabalharem em benefício próprio, sem olhar os interesses dos clientes. Recentemente vi uma delas defender que os sites das companhias aéreas deveriam cobrar uma taxa extra para manter a competitividade das agências. Seria um completo equívoco punir milhões de clientes e gerar efeito inflacionário no turismo e na economia só para atender a classe dos agentes de viagens.

Até hoje, alguns setores do turismo enxergam a internet e a digitalização como inimigos. É preciso inverter a lógica. A pergunta certa das associações deveria ser como usar o poder da internet para potencializar negócios, aumentar o turismo, e melhorar o PIB do nosso país.

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