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FUTURO PROMISSOR - ninguém duvida que a aviação regional é estratégica para o desenvolvimento do país

Durante anos, aviação era associada quase que exclusivamente a aeroportos grandes e movimentados em áreas metropolitanas. No mundo inteiro, quem vivia em cidades menores e quisesse viajar de avião precisava se dirigir a um destes aeroportos.

Isto está mudando. Países como os Estados Unidos já integram 90% do território através da aviação regional. Ela se caracteriza pela operação de voos para ou entre aeroportos do interior. Em geral atende a um território mais amplo, no entorno de onde o terminal se localiza. Na prática, forma-se uma rede de aeroportos pequenos que se conectam a centros centralizadores (hubs), sejam eles em Capitais ou áreas de afinidade econômica.

O benefício de investir na aviação regional é promover a integração com o interior e desenvolver a economia. Isto ocorre graças a um maior acesso a bens e serviços e capacidade de escoar a produção a preços competitivos.

PROGRESSO – quanto maior o acesso da população a aeroportos, maior desenvolvimento da economia

Na aviação, infraestrutura e desenvolvimento de mercado dependem totalmente um do outro. Para funcionar, não basta apenas demanda, infraestrutura e de custos dos aeroportos. Depende também da definição da malha aérea e tamanho correto das aeronaves pelas companhias aéreas.

“Todos os países de maior porte possuem aviação regional, seja ela bem desenvolvida, como Estados Unidos e Austrália, ou em desenvolvimento, como China e Rússia”, explica o engenheiro Dario Lopes Reis, titular da SAC (Secretaria de Aviação Civil), vinculado ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

CENÁRIO BRASILEIRO

No Brasil, o quadro traz complicadores adicionais. É que o país de dimensões continentais possui pouquíssimos polos de concentração humana, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

A imensa maioria são pequenos aglomerados, espalhados pelo interior do país. “Em vastas regiões, apenas os poucos passageiros pagantes não cobrem os custos. Por isto, é necessária a intervenção do Estado”, avalia Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR, associação que reúne as companhias aéreas.

Como integrar os quase seis mil municípios que convivem com situações socioeconômicas e necessidades de demanda distintas entre si? Hoje existe uma distorção: apenas 58% da população têm acesso a um aeroporto com voos comerciais em até uma hora de deslocamento rodoviário.

Há localidades em que o isolamento chega a ser dramático. Sem avião, o transporte por terra ou água a uma cidade maior mais próxima pode levar até três dias. “O maior desafio é atender a uma baixa demanda com uma operação de menor custo, e que traga resultados”, comenta Sanovicz.

Ninguém duvida da urgência de se estabelecer uma aviação regional no país. Mas quando se trata de governo, nem sempre intenções e recursos andam de mãos dadas.

O DESASTRE DO PASSADO

POLÍTICA DESASTROSA – Governo fez promessas megalomaníacas para a aviação regional, mas na prática pouca coisa aconteceu .

Foi assim em 2012. Um ambicioso programa bilionário para o setor prometia que 94% da população ficariam a até cem quilômetros de um aeroporto com voos regulares.

Primeiro, falou-se em 800 terminais beneficiados. Quando a megalomania se provou inviável, o número caiu para 270 terminais. Na prática nem mesmo este sonho alto decolou, e a situação voltou à estaca zero.

Cinco anos depois, a SAC promete um plano mais prático e barato. A meta agora é ampliar a malha regional, não só através de investimentos em infraestrutura, mas também com incentivos fiscais e regulação mais flexível.

O planejamento da rede aeroportuária nacional considera 190 aeroportos como de interesse regional, 44 nacionais e internacionais para atender as capitais e grandes regiões metropolitanas, e cerca de 370 aeródromos de interesse local.

O modelo proposto é simples. Os aeroportos de pequeno porte alimentam os de maior porte. Assim, é possível chegar do menor terminal ao que oferece operações internacionais em não mais que três escalas.

ACESSO AO PARAÍSO – Fernando de Noronha é um bom exemplo de quando governo e iniciativa privada se unem.

Para isto, o SAC planeja obras essenciais em 58 terminais. Isto inclui desde reforma ou construção de pistas e terminais até instalações de equipamentos de segurança em aeroportos regionais com recursos que caibam no reduzido orçamento federal.

Estamos falando de itens como máquinas de raio-X, pórticos de detecção de metais, carros de bombeiro, iluminação na pista ou quesitos básicos que hoje impedem voos regulares.

NOVOS PROJETOS

Em paralelo, a SAC aposta em três projetos em trâmite no Congresso Nacional.

O primeiro é a abertura do capital estrangeiro para companhias aéreas, passando dos atuais 20% para 100%. O segundo é o acordo de Céus Abertos com os Estados Unidos.

O terceiro, maior fonte de reclamações das companhias aéreas, é limitar o teto de 12% de ICMS cobrado pelos Estados sobre o querosene da aviação, que hoje atinge valores absurdos, como em São Paulo, que chega a 25%. Além de inviabilizar voos, esta taxação responde por 26% do preço das passagens.

“Estas medidas vão ajudar a abrir o mercado nacional para novas empresas, inclusive low cost”, aposta Lopes Reis. Com isto, ele prevê que até 2020 a população atendida no raio dos cem quilômetros passe de 58% para 70%.

O PAPEL DA TECNOLOGIA

Há ainda um fator favorável à aviação regional: o uso intensivo de tecnologia. Ela permite reduzir custos operacionais e também compensar a falta de mão de obra especializada em locais remotos.

É possível automatizar diversas operações rotineiras, como raio X inteligente que conseguem identificar cargas de risco. Ou estações meteorológicas que permitem coleta de dados e comunicação automática com o piloto, e que amplia a capacidade de pousos e decolagens, além de reduzir o custo de operação local.

O EXEMPLO DE JERICOACOARA – o governo viabilizou aeroporto funcional e o mercado respondeu com gestão eficiente e voos frequentes.

Há exemplos em todo o mundo de sistemas de uso comum que permitem a aeroportos pequenos dividir instalações entre companhias áreas. Estamos falando de soluções práticas e baratas, voltadas à maior produtividade, como as oferecidas pela SITA. “Para o check-in, embarque e despacho de passageiros e bagagens o uso compartilhado pelas companhias aéreas evita manter posições de atendimento por empresa”, explica Marcelo Arraes, diretor de vendas da empresa no país. Ele cita também a priorização do autoatendimento (totens), inclusive para etiquetagem e despacho das bagagens.

Aeroportos pequenos e distantes não precisam ser sinônimo de precariedade. Além dos recursos tecnológicos que ajudam a baratear a operação dos voos e fornecer informações aos passageiros, é possível gerenciar operações a partir de um único aeroporto. Nas comunicações, redes de dados, telefonia IP e acesso Wi-Fi atendem bem tanto ao operador aeroportuário como concessionários. “Essas soluções podem ser hospedadas em servidores externos, reduzindo ainda mais investimentos e custos em infraestrutura local”, completa Arraes.

Para que tudo dê certo, vários fatores precisam estar alinhados. Políticas públicas, infraestrutura aeroportuária, tecnologias e processos capazes de reduzir custos sem comprometer a segurança operacional são os principais. Mas falta um, não menos importante: o desenvolvimento do mercado.

RESPOSTA DO MERCADO

Neste sentido, é animadora a reação das principais empresas aéreas, todas entusiasmadas por projetos que possam estimular a aviação regional. Hoje elas operam neste segmento, embora de forma ainda restrita a poucos destinos.

Apesar disso, de nada adianta infraestrutura aeroportuária se em contrapartida não forem introduzidas aeronaves menores. É bem diferente do que ocorre. A atual frota comercial do país é constituída por 90% dos aviões com mais de 30 assentos – tamanho inadequado para pistas mais curtas e demandas menores.

A ausência de recursos oficiais para implantar um sistema de aeroportos regionais torna vital conquistar o setor privado para a gestão através de concessões. A questão é como tornar estes investimentos palatáveis para o empresariado.

Para Manoel Ferreira, diretor da Agemar / Dix, que hoje opera quatro aeroportos regionais – Fernando de Noronha e Serra Talhada, no Ceará, e Jericoacoara e Arati, no Ceará – o primeiro fator de atração é a localização geográfica: “É necessário o terminal estar em um polo com potencial econômico ou turístico”, ele comenta. Além disso, a grade de serviços deve oferecer ligação com grandes centros.

Ferreira destaca que as aeronaves e terminais de passageiros devem ser dimensionados à capacidade de movimentação. Ou seja, possuir características funcionais que tornem a operação viável, e permitam um baixo valor do ticket. “É preciso remunerar toda cadeia dos serviços e ao mesmo tempo atender ao poder aquisitivo da região, muito limitado na maioria das vezes”, ele completa.

A equação para atingir o ponto de equilíbrio não é simples. Na maioria das situações, o fluxo inicial de passageiros de uma operação regional não é suficiente para garantir ganhos de escala necessários.

De acordo com o plano do governo, a prioridade é subsidiar passagens na região amazônica. São áreas com carência de rodovias, que dependem de barcos para o deslocamento. Nestes locais o avião é o modo mais rápido e seguro de transportar a população local.

LUZ NO FIM DO TUNEL

BENEFÍCIOS DA TECNOLOGIA – os atuais recursos tecnológicos permitem integrar regiões isoladas com soluções eficientes, seguras e mais baratas

Moral da história: na aviação regional, pode existir fome, mas há também vontade de comer. Criadas as condições favoráveis regulatórias e de infraestrutura, o mercado deverá corresponder à altura.

Há boas indicações. Um exemplo é o aeroporto de Jericoacoara, destino turístico cearense em ascensão. Depois que o terminal recebeu investimentos em infraestrutura e equipamentos de segurança e obteve autorização da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), ganhou voos regulares tanto da Azul como da Gol ligando o destino a Recife e São Paulo.

“Hoje, o brasileiro anda pouco de avião. A média nacional é de 0,5 viagens ao ano, contra 1,7 viagens (mais do que o triplo) nos países europeus e 2,5 viagens (o quíntuplo) nos Estados Unidos”, explica Dario Reis, da SAC.

“Se o governo enfrentar o desafio e corrigir as distorções, dobramos o número de passageiros aéreos para 200 milhões em dez anos”, promete Eduardo Sanovicz, da ABEAR.

Matéria publicada na Revista Viagens S.A. setembro 2017 

Matéria DECOLAGEM AUTORIZADA (pdf)

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