BLINK (resenha)
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CARTÕES INTELIGENTES
1 de janeiro de 2011

O que faz gente sofisticada e experimentada como os homens de negócios perderem tempo para ler e ouvir tantas obviedades?

Ninguém sabe ao certo como e quando a onda começou. O fato é que o mundo corporativo nunca andou tão assolado por uma horda de gurus que parecem entender de tudo – de marketing a energia tântrica. Eles chegam de mansinho durante uma burocrática reunião de negócios, ou de um congresso técnico bem chato, ou de um workshop patrocinado por alguma empresa que ninguém sabe direito o que vende. Aí, falam apenas o óbvio ao distinto público com a propriedade de um especialista. Mesmo assim, estes mágicos fazem platéias rir e chorar – como se acionassem uma varinha mágica que manipula emoções públicas. São aplaudidos de pé. Depois saem de fininho com os bolsos cheios igualmente de dinheiro e de cartões de visita de potenciais clientes. No dia seguinte, como  fim de efeito da ressaca, as pessoas se perguntam: “o que foi mesmo que ele disse?”

Quem registrou com muita verve este fenômeno, e que não é apenas brasileiro, foi o jornalista inglês Francis Wheen. O título de seu livro na edição brasileira Como a picaretagem conquistou o mundo (Editora Record) já diz tudo. É uma pena que a expressão em inglês do título original, “mambo-jambo”, que dá o tom da obra, não pôde ser aproveitada em português. Quase sempre associada à música latina e até à comida, tem uma versão menos conhecida, mas indispensável para entender o mundo contemporâneo de negócios. Mambo jambo são também as palavras ou atividades tornadas complicadas desnecessariamente, e até misteriosas, mas que no fundo não querem dizer absolutamente nada. Soa familiar? Estamos diariamente cercados por este lero-lero que homenageia o vazio, um jogo de palavras e idéias que dão importância ao supérfluo, e situações surrealistas que zombam da nossa inteligência. O mambo jambo parece demonstrar que a erosão do bom senso e o festival de banalidades veio para valer, e quase sempre alavancadas por charlatões e falsos profetas.

Há quem diga que tudo começou em 1982, quando um jovem consultor adminis¬trativo da McKinsey & Co., Thomas J. Peters,  resolveu escrever Em busca da excelência, que procurava identificar a razão do sucesso das melhores empresas dos Estados Unidos. O livro vendeu cinco milhões de exemplares. Wheen, que concentra um capítulo inteiro do livro ao tema gurus, revela que Peters, com o que faturou, até comprou uma fazenda de 1.300 acres em Vermont, que além de gado tem até lhamas. No rastro desta mina que descobriu, seguiram-se vários discípulos com suas obras. Os sete hábitos das pessoas muito eficazes, de Stephen R. Covey; A quinta disciplina, de Peter Senge; O gerente minuto, de Kenneth Blanchard e Spencer Johnson; Desperte o gigante interior, de Anthony Robbins, são alguns exemplos deste modismo que tomou conta do mundo corporativo. Embaladas pelo sucesso desta gente, surgiram também biografias e, praga das pragas, obras que poderiam se classificar na estranha categoria de “inspiradoras”. Quem não se lembra do famoso Fernão Capelo Gaivota – a piegas história um passarinho que quer se exceder através de vôos cada vez mais altos, uma alegoria boboca ao desenvolvimento pessoal, mas que foi usado por anos seguidos em dez de cada dez programas motivacionais de empresas? A leitura destes bestsellers expõe idéias óbvias ou tolas como “vá fundo e continue a ir fundo”, “transforme os negativos em positivos”, “um pouquinho de cortesia e atenção ajudam enormemente”, “o mundo dos negó¬cios é um jogo, por isto jogue para ganhar”, “quando se é empresário, não se olha para os dentes de cavalo dado”,  “se a oportunidade bate à porta, o empresário deve estar sempre em casa”, ou  “qualquer trabalho digno de ser feito é digno de ser bem-feito.”

Apesar do caminho aberto, a exploração excessiva esgotou o assunto. Estava na hora de uma segunda geração de temas. Foi quando um sujeito chamado Wess Roberts teve a idéia de migrar da abordagem de liderança para as analogias históricas. Em 1991, escreveu Os segredos de liderança de Átila, o Huno, que virou livro de referência para todos os gerentes de nível médio nos Estados Unidos. Trazia ensinamentos vitais para a sobrevivência corporativa como “Você deve ter flexibilidade para superar os infortúnios pessoais, o desânimo, a rejeição e a decepção”. Ou “quando as conseqüên¬cias de seus atos forem terríveis demais para suportar, procure outra alternativa”. O pioneirismo literário de Roberts foi seguido por uma enxurrada de obras neste promissor segmento histórico. Francis Wheen se deu à pachorra de catalogar alguns destes títulos hilários: Gandhi: o coração de um executivo; Confúcio na sala de reuniões; Se Aristóteles dirigisse a General Motors; Faça acontecer: lições de gerenciamento de “Jornada nas estrelas, a próxima geração”; Elizabeth I, executiva-chefe: lições estratégicas de liderança da mulher que construiu um império. E, acredite se quiser: Moisés: executivo-chefe.

Nessa altura dos acontecimentos, estava lançada oficialmente a prateleira de auto-ajuda das livrarias, e que nunca mais foi embora.  E com ela a segmentação. Na linha do desenvolvimento pessoal, nasceram títulos como Histórias para abrir o coração, O caminho menos percorrido, e Homens são de Marte, mulheres são de Vênus. Até mesmo o misticismo atingiu em cheio o mercado corporativo. Exemplos desta temática: O executivo místico: ferramentas de poder mediúnico para o sucesso, de Barrie Dolnick, ou o bestseller de Paul Zane Pilzer, Deus quer que você enriqueça. Mas há também a vertente zoológica de pensamento. Ela busca transpor atitudes do mundo animal para o universo empresarial, com verdadeiras pérolas que serviram para vender livros como pipoca em porta de escola. Você pode optar entre Leões não precisam rugir: destaque-se, enquadre-se e progrida no mundo dos negócios, de Debra Benton; Nade com os tubarões sem que eles o comam vivo, de Harvey Mackay, ou Ensinando elefantes a dançar: facilitando a mudança em sua organização, de James A. Belasco.

Mas no campo de gurus, nada se compara à carreira meteórica do Dr. Deepack Chopra, um endocrinologista que resolveu abandonar a carreira para escrever livros místicos, e sobre meditação transcendental para homens de negócios. É ao contar este case de sucesso que Francis Wheen reserva o melhor de seu estilo cáustico. Exatamente em 12 de julho de 1980, Chopra se transformou de obscuro comerciante de tratamento alternativo à base de ervas em sábio com direito a reconhecimento internacional. Foi no dia que ele apareceu no programa da carismática apresentadora americana Oprah Winfrey para promover seu livro Corpo sem idade, mente sem fronteiras. Oprah se encantou com ele. Nas 24 horas seguintes, vendeu 137.000 exemplares, e no fim de semana já contabilizava 400.000 cópias. Desde então, o ex-médico publicou 25 livros e lançou pelo menos cem fitas de áudio, videoteipes e CD-ROMs. E para os que buscam uma experiência mais completa de sua filosofia, ele criou o Centro Chopra de Bem Estar, na Califórnia – que fatura oito milhões de dólares por ano. Os seus honorários por palestra são de 25 mil dólares – e certamente a editora terá prazer em oferecer desconto para a distinta platéia aproveitar a ocasião e comprar toda a coleção de seus livros. No total, estima-se que o império Chopra fature algo na casa dos 20 milhões de dólares por ano. Nada mal para um endocrinologista que se espiritualizou tanto que até se transformou em guru corporativo.

Chopra, é bom que se diga, não está sozinho. Kenneth Blanchard,  autor de  O gerente minuto, ganhou seis milhões de dólares anuais, entre livros, videoteipes e palestras. Nos anos 90, a evangelização da “liderança centrada em princípios”, seja lá o que isto quer dizer, gerou a Stephen Covey uma renda anual de 400 milhões de dólares, com presença em 40 países e uma equipe de 3 mil funcionários. Já Anthony Robbins, ex-zelador de escola, aprendeu bem a lição, e ganhou cerca de 80 milhões de dólares, a maior parte com seus livros Desperte o gigante interior e Poder sem limites. Na virada do século, as publicações de auto-ajuda geraram 560 milhões de dólares anuais nos Estados Unidos.  Isto não é nada perto da receita total da indústria de auto-ajuda no país, que segundo a empresa de pesquisas Marketdata gera, entre seminários, treinamento pessoal, CDs a vídeos, nada menos que 2,48 bilhões de dólares.

Mas o que faz gente sofisticada e experimentada como os homens de negócios perderem tempo para ler e ouvir tantas obviedades? Alguns CEOs e dirigentes são honestos ao reconhecer que os gurus têm uma vantagem. Ao misturar charme com pompa e circunstância, falam de coisas se ditas dentro das empresas ninguém daria a menor bola. Neste sentido, funcionam como “barrigas de aluguel” das mensagens corporativas. Francis Wheen em seu livro é mais cínico. Acha que a filosofia dos gurus é nunca superestimar a inteligência de sua platéia. Infelizmente, a evidência parece dar razão a ele. Veja esta lição de bolso de uma obviedade ululante tirada de Os sete hábitos das pessoas muito eficazes, de  Stephen Covey: “Alguma vez já lhe ocorreu como seria ridículo tentar dar uma mexida de última hora numa fazenda — esquecer de plantar na primavera, brincar durante todo o verão e dar uma virada no outono, para produzir a colheita? A fazenda é um sistema natural. Há que se pagar o preço e seguir o processo. Você sempre colhe o que semeia.” Ou esta aqui, de Anthony Robbins, autor de Poder sem Limites, outro bestseller: “Se alguém faz o melhor bolo de chocolate do mundo, será que você pode produzir um resultado da mesma qualidade? É claro que sim, se tiver a receita dessa pessoa. Se seguir a receita ao pé da letra, você produzirá os mesmos resultados, mesmo que nunca tenha feito um bolo desses em toda a sua vida.”

A sorte dos gurus é que o público corporativo tem memória curta. Tempos depois dos prognósticos e ensinamentos destes oráculos cotidianos, ou o cara já saiu da empresa, ou se aposentou, ou mudou de paradigma – só para usar um jargão de moda. Há uma historinha que ilustra isto bem. Em 1987, cinco anos depois de Tom Peters lançar Em busca da Excelência, quase todas as empresas norte-americanas apontadas por ele como “excelentes” estavam em declínio. Pior: um estudo do Financial Analysts’ Journal constatou que, enquanto as ações de dois terços das empresas-modelo de Peters tinham exibido um desempenho precário, ficando abaixo do índice das quinhentas da Standard & Poor, os papéis de 39 companhias julgadas péssimas pelas seis “medidas de excelência” do livro superaram as expectativas do mercado no mesmo período. Pois sabe o que Peters fez? Na maior cara de pau escreveu outra obra. Só que desta vez defendeu soluções diametralmente opostas. A tese central de sua nova obra, Prosperando no caos, foi… a excelência não existe! Virou outro bestseller. No melhor estilo “me engana que eu gosto”.

Maio de 2007

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