Crocodilos de estimação atacam na Costa do Marfim
18 de dezembro de 2019
Hotéis: por que Fairmont no Brasil é boa notícia?
20 de janeiro de 2020

BYE BYE BRAZIL! - Depois que cuzeiros levantam âncoras não pagam IPTU nem tem custos locais como os resorts

INFERNO EM ALTO MAR (2a PARTE)

Muita gente desconhece que cruzeiros provocam poluição. Por isto, ao embarcar em cruzeiro, o passageiro não só contribui para poluir os oceanos, como prejudicar a própria saúde. De um lado, há a visível fumaça negra lançada no ar, que produz chuva ácida e amplia o aquecimento global. De outro, de forma não tão visível, navios com tamanho de cidades despejam diariamente toneladas de esgotos com dejetos de milhares de passageiros combinados a restos de alimentos e produtos químicos. Mas a lista não para por aqui. Há ainda uma infinidade de agentes poluidores que contribuem para deixar um rastro destrutivo.

Quem dá visibilidade a estas graves acusações não é algum ecologista raivoso irresponsável, mas uma respeitável soma de ONGs sérias e publicações internacionais acima de qualquer suspeita. Neste rol, estão, entre outros, The Economist, Financial Times, Telegraph, Marine Insight, Skift, Business Insider, além de trabalhos de organismos internacionais e especialistas.

A questão começa com o uso pela grande maioria dos navios de cruzeiro – como MSC, Costa Cruzeiros, Norwegian ou Royal Caribbean –  de motores a diesel. O combustível é o óleo pesado, muito mais barato, mas um dos mais sujos. Emite, entre outros materiais nocivos à atmosfera como fuligem e dióxido de enxofre, altas doses de óxido de nitrogênio (NOx), que provoca doenças respiratórias e câncer do pulmão.

Pesquisas recentes revelam inclusive que áreas frequentadas por cruzeiros apresentam uma qualidade do ar tão ruim quanto a das cidades mais poluídas do planeta, como Beijing.

O ensurdecedor barulho dos motores dos gigantes navegáveis somado aos de entretenimento a bordo perturbam demais a vida animal. Isto ocorre principalmente com mamários como os golfinhos e orcas, que têm seu sistema auditivo debilitado, levando até à morte prematura.

A ONG alemão NABU calculou que um navio de porte médio, que queima até 150 toneladas de óleo cru por dia, produz a mesma quantidade de partículas que um milhão de carros.

Outras estimativas indicam que as emissões de dióxido de enxofre de um grande navio de cruzeiro equivaleriam a de 376 milhões de carros. Dito de outra forma, só os mais de 100 navios da Carnival Corporation, que controla 11 marcas inclusive a Costa Cruzeiros, emitiria mais óxido de enxofre (com riscos para a saúde humana, acidificação do meio ambiente terrestre e aquático) que todos os 260 milhões de carros na Europa. O mesmo estudo da ONG europeia Transport & Environment apontou o 2o maior vilão da poluição. Produzindo quatro vezes mais óxido de enxofre que todos os carros europeus, a Royal Caribbean não sai nada bem na foto.

 

VENENO NO AR – As emissões tóxicas de dióxido de enxofre de um cruzeiro equivalem a de 376 milhões de carros.

A busca por custos de passagens mais baixas levou os cruzeiros a ampliar seu tamanho a níveis inéditos. Hoje já há os que acomodam quase 7 mil passageiros além de 2 mil tripulantes. Pode ser uma boa notícia do ponto de vista econômico, mas um desastre pelo ângulo ecológico. Mesmo depois de tratados, são 800 mil litros de dejetos humanos jogados por navio em apenas uma semana de viagem. Este exército de bactérias e detritos, acusam ambientalistas, afeta a vida oceânica e o ecossistema marinho.

Além disso, milhares de toneladas de águas de lastro, usadas para estabilizar os imensos navios e que carregam micróbios e microrganismos, ao serem despejadas em regiões diferentes, costumam causar sérios estragos ao meio ambiente. Por exemplo, afetar a vida de vegetais e animais de outro ecossistema, como no Mar Negro que sofreu um crescimento indiscriminado de águas-vivas.

Somem-se mais dois descartes lançados ao mar: as oleosas águas de porão, e as “águas cinzas”. Estas últimas são as vindas de torneiras, lavanderias, chuveiros, lavagem de louça e limpeza externa. Mesmo depois de tratadas, ainda contêm produtos químicos, metais e minerais capazes de provocar prejuízo ao ecossistema. Acabam por poluir praias, contaminar corais e destruir a ecologia marinha. Não é pouca coisa. Estudos demonstram que, em apenas uma semana, um único cruzeiro lança ao mar quase 4 milhões de litros de águas cinzas.

Pensa que acabou? Não! Os cruzeiros expelem ainda produtos químicos altamente tóxicos de baterias, lavagens a seco, e produtos industriais usados na operação.

FÁBRICA DE DEJETOS? – Com 7 mil pessoas a bordo o Symphony of the Seas precisa administrar mais lixo

Como é possível que fatos de tal gravidade não sejam divulgados, principalmente no Brasil? Há dois fatores que explicam a omissão, embora não únicos. Primeiro, porque a indústria de cruzeiros é um poderosíssimo anunciante, e a maior parte da imprensa prefere não se indispor ao expor as mazelas de seus clientes. Segundo, porque os cruzeiros dispõem de um azeitado e cativante modelo de relações públicas, aliado a um poderoso lobby junto aos governos. Os seus simpáticos e competentes participantes não poupam dinheiro para oferecer viagens nacionais e internacionais com direito a mordomias, festas e regabofes a todos os públicos de interesse – entre eles, jornalistas a agentes de viagens.

Não se trata aqui de questionar o reconhecido valor dos cruzeiros e sua indiscutível capacidade de atrair consumidores. Nem de sua contribuição para um lazer diferenciado em larga escala e à economia dos destinos. Os cruzeiros vieram para ficar. No entanto, a grande questão é por que esconder, em época de forte preocupação ambiental, graves violações ecológicas existentes, assim como informar as soluções em curso. Neste sentido, como sempre, este espaço está aberto ao diálogo.

 

MORDOMIAS – A boa vida à imprensa e agentes não substitui a responsabilidade ecológica dos cruzeiros.

LEIA AQUI A 1a PARTE DA TRILOGIA – Embarcados e esquecidos

4 Comments

  1. Geraldo disse:

    Bom dia. Entendo o papel dos Governos no controle, da mídia na omissão e do lobby da indústria de cruzeiros na exploração da oportunidade … mas, e tem sempre um mas, acho que sempre negligenciamos a questão cultural inerente a boa parte da população do mundo e que se resume a uma: esse problema não é meu!
    O tal do ser humano é um bichinho danado e com reduzida capacidade de ver além de si mesmo ..rs..rs… fumar faz mal a saúde e mata! Mas não vai acontecer comigo.
    Se víssemos além, a solução já esta dada. Não vou participar de um cruzeiro que polui o mar.
    Mas não é assim … quem sabe um dia

    • Geraldo, obrigado pelos seus comentários. Acho que o primeiro passo já está sendo dado que é o de informar às pessoas no Brasil que estes graves fatos existem e precisam ser corrigidos. Até agora ninguém falou sobre o assunto… enfim, este foi o meu papel de jornalista: um olhar crítico e descompromissado sobre os fatos. Agora, é com a sociedade agir ou apenas contemplar, como diz voce. Um abraço, Fabio

  2. Lucia disse:

    Nossa, agradeço pela matéria. Estava procurando um cruzeiro para a Patagônia como forma de presentear uma neta adolescente, vegetariana, muito preocupada com o meio ambiente e me deparo com esta realidade. No afã de “aproveitar a vida” vamos colaborando com sua extinção quando nos esquecemos dos cuidados básicos para com a casa planetária que não é só nossa. Desisti. Obrigada.