5 PERGUNTAS SEM CENSURA
Com coragem e lucidez, Francisco Ancona, experiente e respeitado publicitário no setor de turismo e consultor de cruzeiros marítimos, responde sem papas na língua questões que a maioria prefere varrer para debaixo do tapete.
FA – Desejar reviver os áureos tempos em que os números do turismo cresceram no Brasil – graças a fatores diversos como o câmbio favorável, ou planos econômicos que estimularam o consumo das classes C e D – não passa de um sonho de Poliana da maioria dos players do nosso mercado.
Infelizmente a situação global é gravíssima, e a brasileira é catastrófica. Nós nos deparamos diariamente com tentativas de transmissão de otimismo e vãs previsões de retomadas da aviação, resorts, cruzeiros, destinos. Enquanto isso, cortes de pessoal ceifam a estrutura de agências de viagens, operadoras e demais participantes da cadeia produtiva do setor. Dois gigantes internacionais como a Logitravel e a Tumlare, ambas com longa trajetória no Brasil, fecharam seus escritórios locais nas últimas semanas.
O Turismo não acabou nem vai acabar, mas só o talento em se reinventar poderá salvar as marcas tradicionais. E isto se dá colocando a oportunidade e impondo a necessidade de fazerem surgir novos produtos, mais alinhados com a realidade que já bate às nossas portas.
Seria mais oportuno exercitar a criatividade e pensar como seduzir o consumidor, além de comunicar os óbvios protocolos de higiene e prevenções contra contágio. Afinal, férias atraentes devem propor sensações, agregar valor, e sobretudo despertar emoções.
FA – O Turismo enquanto atividade econômica poderá ser determinante para geração de empregos e riqueza no Brasil. Infelizmente hoje falta uma política de Estado para isso. Somos um país continente com uma admirável variedade de atrações históricas, naturais, culturais que, se pensadas estrategicamente, farão a fortuna das nossas próximas gerações.
Uma pena esse processo não ter sido iniciado ainda no século passado, mas talvez ainda estejamos em tempo – evidentemente, não com esse atual governo. As lideranças políticas não dão ao setor a devida relevância, e a iniciativa privada só pensa a curto prazo. O impulso de um processo de crescimento deveria ser liderado pelo governo e sustentado por players privados brasileiros e estrangeiros, estimulados por políticas oficiais transparentes e de longo prazo.
O Turismo pode ser a base de um Brasil que reage, que derrota a imagem de um destino sem as necessárias garantias sanitárias e de segurança. Por exemplo, faltam circuitos temáticos dentro do país, que permitiriam produtos de natureza, praias, arquitetura, cultura, selva, história e tantos mais, atraindo organicamente os turistas internos e estrangeiros.
FA – Na prática, a pandemia implodiu o Turismo mundial, em especial o de massa, que vinha provocando graves danos ambientais aos destinos mais demandados. Temos agora uma oportunidade inesperada que poderá ser aproveitada para o estabelecimento de novas regras que assegurem o respeito às estruturas existentes e permitam a sobrevivência e revitalização dos próprios destinos.
Vender bem é mais saudável que vender muito. Os novos protocolos de higiene serão inimigos das aglomerações e superlotações, e só isso já sinaliza uma nova forma de viajar. Conforto e segurança serão aspectos prioritários a partir de agora.
Uma era de mais qualidade em detrimento da quantidade deverá ser a tônica, o que exigirá novas abordagens no processo de venda dos produtos também. Tal contexto atingirá os agentes de viagens, sejam físicos ou virtuais, onde a seleção natural também se encarregará de reduzir os pontos de venda, priorizando os mais preparados.
Turismo de curta distância, desde que reformatado para agregar valores novos ou pouco valorizados, será determinante para ativar o negócio. A compreensão de que o planeta pede socorro em face a tantas agressões de toda ordem sofridas nos últimos 50 anos aproximará o turismo da natureza, da ecologia, do meio ambiente. Dentro da grande catástrofe dessa pandemia, podemos considerar que se trata de um processo evolutivo.
FA – Precisamos esquecer o que eram os cruzeiros até meses atrás. Navios, por sua natureza, sempre foram locações para socialização, encontro, aglomeração, contato. As precauções impostas pela situação atual fazem tudo isso entrar em cheque. Desde os anos 1980 os navios de cruzeiro foram promovidos como destinos de férias, onde as festas, os bailes, os shows, o coletivo enfim era o ponto alto.
No passado, eventualmente alguns casos menores de vírus ou intoxicações alimentares ocorridas em cruzeiros não deram muito relevo aos riscos inerentes a esse tipo de viagem. Hoje, vejo os cruzeiros com uma urgente necessidade de se reinventar.
Nem pensar em manter o mesmo conceito de algum tempo atrás, as festas e os eventos a bordo não combinariam com máscaras, álcool gel em todos os ambientes, isolamento social. Já que os grandes navios por força da pandemia deverão propor experiências menos integrativas e mais contemplativas, é bom que as companhias exercitem sua criatividade em propor novas atividades e sobretudo opções de roteiros turísticos mais atraentes. No caso do Brasil, o desafio é maior que em outras regiões como a Europa e o Caribe, onde há mais países, culturas, estruturas portuárias, ilhas.
Sempre se poderá propor cruzeiros temáticos, com formato diferente do que ocorria na costa brasileira até alguns anos atrás – esta continua sendo uma fórmula eficaz para atrair consumidores por afinidade com essa ou aquela proposta das viagens. Mas devo concordar que no grande menu de pacotes turísticos que o mercado oferece, os navios estão distantes na corrida pela pole position da tão deseja retomada de negócios.
Alguns sintomas já denunciam o que será o futuro imediato por aqui. Das empresas que operam em nosso mercado, uma encerrou atividades e as outras duas redimensionaram suas ofertas de lugares, reduzindo a quantidade dos navios que chegarão para a temporada de verão. A maior agência de viagens online do mercado suspendeu a venda de cruzeiros marítimos. Duas grandes operadoras turísticas estão reestruturando seus departamentos marítimos, tendo dispensado os experientes responsáveis pela área. Águas turvas se delineiam em nossos mares.
FA – O planeta pede urgência no aculturamento de seus habitantes em relação a práticas sustentáveis, em múltiplas direções – consumo, relações sociais, respeito pelo semelhante, meio ambiente, educação. O assunto, que há pouco era tratado sobretudo em blogs ou espaços específicos, tornou-se pauta da grande imprensa mundial.
Recentemente um grupo de potentes CEOs brasileiros reuniu-se com o vice presidente da República para exigir do Governo uma política mais concreta em relação à devastação da Amazônia pelos suspeitos e sucessivos incêndios que já consumiram boa parte de seu bioma.
A inflamável tragédia já prejudica os negócios das nossas maiores empresas, boicotadas por importadores alinhados com os princípios da Sustentabilidade e os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU. É mais que hora de alinhar o Turismo no mesmo trilho.
O Brasil tem todas as condições naturais para ser o novo grande destino turístico mundial. Não é utopia imaginar a demarcação de circuitos turísticos para operações sustentáveis a serem promovidas dentro e fora do país. A Amazônia mesmo, o Pantanal, os Lençóis Maranhenses, o Jalapão, Foz do Iguaçu, os arquipélagos atlânticos, nossos grandes rios, poderiam ser excelentes destinos de ecologia e natureza.
As cidades históricas de Minas Gerais, Salvador, Olinda, São Luiz, Paraty, destinos históricos coloniais. As metrópoles de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Recife, polos de arquitetura e cultura urbana. Para não falar do imenso litoral e suas centenas de praias. E assim por diante.
Já temos muito, mas falta quase tudo. É preciso alinhar nossos destinos com os princípios sustentáveis e ordená-los seguindo critérios lógicos e logísticos. Da mesma forma, investir na estrutura de hospedagem, vias de acesso adequadas e receptivos treinados e profissionais. E só depois de tudo isso, promovê-los dentro e fora de nossas fronteiras.
O desafio é muito difícil, mas poderia ser estimulante. Num país que assiste seu Ministério do Meio Ambiente e sua Secretaria de Turismo passarem por vexames como testemunhamos recentemente, pode parecer impossível. Mas vamos acreditar. Quem sabe esses novos tempos nos tragam boas surpresas.