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CRUZEIROS: TOPOGRAFIA DO NAUFRÁGIO

Por Francisco Ancona, especialista em cruzeiros  (*)

2ª parte

ROMBO NO CASCO É IRREVERSÍVEL?

Uma pergunta volta a agitar quem vive do Turismo: os resorts herdarão o espólio marítimo?

Velha polêmica que atravessa décadas, o embate “cruzeiros versus resorts” parece retornar à tona. Só que dessa vez provocada por razões operacionais e de mercado, e não mais questões políticas ou de isonomia fiscal, tributária e trabalhista, como em seus primórdios.

Indiscutível que as viagens marítimas cativaram multidões de consumidores brasileiros ao longo dos anos, ampliando o bolo do negócio turístico.

Neste instante, sem a momentânea oferta de navios, cruzeiristas ávidos por check-in e embarques buscam alternativas seguras e de qualidade. Passam a ser impactados por ofertas em resorts na frondosa terra brasilis.

Emoções em novo endereço

O primeiro a oferecer tal opção foi Roberto Carlos. Ele deixará o alto mar em 2021 e levará seu consagrado Projeto Emoções para o complexo Iberostar, na Praia do Forte. O “navio do Rei” aposenta suas âncoras e se estabelece no litoral da Bahia, onde passará a viver novo momento lindo.

FUGINDO DA TEMPESTADE – Roberto Carlos preferiu levar seu show anual em cruzeiros para terra firme.

A seguir, a operadora Lusanova, tradicional nos circuitos europeus com guias falando português, ousou lançando o projeto “Férias Temáticas” onde propõe elenco de protagonistas consagrados nos navios para uma animada semana “Dancing & Wellness”. Ela vai ocorrer no Vila Galé Eco Resort de Angra dos Reis – com o célebre Carlinhos de Jesus puxando o bloco.

Enfim, surgiu às vésperas do Natal a notícia do acordo entre a R11, representante dos navios Royal Caribbean, Celebrity, Azamara e Silversea, com o Club Med. A rede opera três resorts em nosso país, e 66 espalhados pelo mundo. O objetivo é aplacar a abstinência dos saudosos por navegar. Promete tarifas especiais e uma experiência emocionante nos Clubs, enquanto os barcos estão parados.

Ironicamente, até o experiente Ricardo Amaral, CEO da empresa com foco marítimo, e até então ferrenho defensor dos cruzeiros, se rendeu às evidências do mercado. Com os pés em terra firme, colocou os hotéis de lazer na prateleira de sua empresa.

Águas turvas e agitadas

O buraco no casco dos navios é grande.

Estimativas da CLIA Brasil (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos) dão como certa uma perda de R$ 2,62 bilhões e quase 40 mil empregos com o cancelamento da temporada na costa brasileira.

Números globais chegam a um vermelho de US$ 77 bilhões e 518 mil postos de trabalho.

A indústria está à deriva, e uma retomada concreta ainda não se faz notar na linha do horizonte.

Os planos futuros anunciados para o mercado brasileiro apontam para uma oferta de navios grandes e modernos no verão 2021/22 – tão impactante quanto incerta, por enquanto.

Águas turvas e revoltas terão que acalmar para que o cenário volte a ser promissor. Mar de almirante, no momento, não passa de uma lembrança remota.

Partida para o incerto

FIM DE LINHA? Fora de operação, o Costa Victoria, velho conhecido dos brasileiros, aguarda em Piombino seu destino final.

Desafiador projetar um futuro para essa indústria, dentro do cenário atual.

A potência das grandes armadoras de cruzeiros, construída em sucessivas décadas de crescimento, nos convida a acreditar que ela sobreviverá.

No entanto, inúmeras questões desde já provocam as mentes daqueles que encaram o desafio de fazer zarpar novamente esse tipo de férias.

Nada será como antes, é o que parece. Consumidores terão novos comportamentos, a hotelaria de bordo deverá oferecer mais segurança e higiene, escalas turísticas imporão novas condições para receber a volumosa população dos meganavios.

Nos últimos tempos, as atrações principais a bordo passaram a ser espetáculos high tech nos teatros. Ou gigantescas galerias de lojas recheadas de “ofertas do dia”. Ou atividades de entretenimento baseados em formatos consagrados nas TVs como “Masterchef”, “The Voice” etc. Ou ainda brinquedos tecnológicos – simuladores de Fórmula 1, pistas de kart, cinemas 4D ou piscinas de ondas.

Produto despersonalizado

Tudo isto serviu para atrair novos consumidores, mas ao mesmo tempo desvirtuou a personalidade do produto.

GIGANTES SEM CHARME – Ao virar shopping centers e parques de diversão os cruzeiros perderam seu glamour.

Agora, este modelo deverá entrar novamente em discussão. Quem sabe não valha a pena resgatar e valorizar a vocação natural dos navios, que é… navegar! Esse ato, razão de ser da mística desse tipo de viagem, continuará como o maior diferencial dos cruzeiros.

Os acessórios implantados ultimamente serviram para transformar, na prática, essa singular experiência em algo semelhante a parques temáticos ou shopping centers.

Reinventar-se, nesse caso, talvez passe por retomar a essência, e a partir daí recuperar seu carisma.

Afinal, não se fazem mais coquetéis do Comandante, jantares de gala, bailes com orquestras, navegações panorâmicas, que tanta fantasia despertavam e que só podiam acontecer a bordo de um navio.

Sensações e emoções exclusivas continuam a ser a maior razão de atração e fidelização na disputa pelos consumidores. É tudo que os navios vão precisar, se quiserem garantir seu futuro.

 

(*) FRANCISCO ANCONA, paulistano, é profissional de marketing turístico e atua há mais de 30 anos no segmento marítimo. Realizou mais de 150 projetos no setor, sendo também criador dos cruzeiros temáticos mais conhecidos da costa brasileira.

LEIA AQUI E AGORA A 1a PARTE

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