Há três razões. A primeira é a diversidade cultural. Assim como não dá para combinar bananas com laranjas, é inviável misturar avaliações de tantas nacionalidades em um único grupo. Com hábitos e costumes bem diferentes, o que é maravilhoso para uns é péssimo para outros. Por exemplo, um chinês pode julgar o serviço de um hotel como ótimo porque há no quarto chaleira com água quente. Já um americano prefere encontrar gelo à vontade para suas bebidas.
O segundo complicador deste liquidificador de opiniões em que se transformou o Trip Advisor é a diversidade de experiências em hospitalidade de quem faz as avaliações. Pessoas que viajam uma vez na vida têm um grau de vivência e exigência diferentes dos que são “heavy users” de hospedagem.
O terceiro fator é o modelo de negócios atual do TripAdvisor, que representa claro conflito de interesse. Ao deixar a fase em que só agrupava avaliações, decidiu ganhar dinheiro também ao indicar hospedagem. Quando é encaminhado ao site de um hotel, o interessado passa a receber informações comerciais seletivas e sem críticas, recheadas de fotos deslumbrantes das instalações. O viajante, transformado em presa fácil, não consegue determinar se o hotel apresentado é o ideal para ele, ou o que melhor comissiona o TripAdvisor.
Tomemos uma experiência pessoal recente como exemplo. O Hotel Olimpo-Le Terraze na ilha da Sicília, na Itália, é bem avaliado no Trip Advisor com 4 estrelas. As opiniões de quem se hospedou ali – a maioria ingleses, italianos, franceses e alemães – são positivas. Das 717 avaliações até setembro de 2016, 74% gostaram, 14% nem tanto, e 12% detestaram o local. Eis alguns comentários pinçados de hóspedes encantados: “O hotel é limpíssimo e todo o staff trabalha duro para mantê-lo assim”. “A comida é muito boa com várias opções”. “O hotel é claro e arejado”. “A vista do nosso quarto era de perder a respiração”. “O café da manhã é abundante”.
Infelizmente hotelaria não vive apenas de quartos amplos, simpatia, comida à vontade e limpeza. A realidade é bem mais rigorosa.
A PROMESSA OFICIAL: VARANDA DO QUARTO COM VISTA DESLUMBRANTE
A ENTREGA: VISTA PARA LIXO, ESTACIONAMENTO, E ROUPA SECANDO NO VIZINHO
Apesar de surgir na busca do TripAdvisor como localizado em Taormina, cidade de grande interesse turístico, o hotel fica na realidade em Letojanne, distante mais de dez quilômetros. Para chegar lá, depende de condução rara, cara e inconstante. O Hotel Olimpo até faz jus ao nome, já que foi construído no topo de uma pirambeira íngreme de acesso complicado.
A escalada não compensa. A decepção começa pelo corredor da entrada principal, com poltronas gastas de tecido engordurado, complementado por forte cheiro de esgoto.
A recepção é caótica e impessoal. A equipe recebe o viajante com a mesma desatenção de bilheteiro de metrô. É ali que se descobre, por exemplo, que o prometido quarto com vista fica de frente para um depósito de lixo e estacionamento. Ou que é necessário pagar 5 euros por dia para usar a piscina. E que as toalhas de praia exigem um depósito de 10 euros e a cobrança de 2 euros se necessário trocá-las no mesmo dia.
A PROMESSA OFICIAL: DECORAÇÃO ALEGRE E COM RAZOÁVEL BOM GOSTO
A ENTREGA: CAFONICE EXPLÍCITA E COMBINAÇÃO DE CORES PORTA DE LAVANDERIA
Piscina interna não atrai, e a externa é pequena demais. Lotada de hóspedes, muitos deles personagens fellinianas, sofre ataques inclementes de música alta e gritos de animadores pelo microfone.
Os quartos são espaçosos, é verdade, mas suas camas cobram uma taxa exorbitante sobre a coluna vertebral do hóspede já no dia seguinte. Isto sem falar nas varandas de paredes vazadas que permitem invasão de privacidade dos vizinhos, com direito a ouvir conversas, assistir imagens explícitas de roupas penduradas, e sons de tosse, entre outros ruídos desagradáveis do quarto ao lado.
As áreas comuns formam uma balbúrdia visual de instalações e móveis cansados de guerra. No café da manhã a vitória é conseguir uma mesa, e a seguir disputar com ávidos hóspedes um farto buffet, mas que deveria ser interditado por quem zela pela gastronomia italiana.
A PROMESSA OFICIAL: RESTAURANTE SÓBRIO, CONFORTÁVEL, BUFFET GENEROSO.
A ENTREGA: EQUIPAMENTOS OBSOLETOS, ESTÉTICA KITCH, MAU GERENCIAMENTO
Conclusão: o TripAdvisor precisa se reinventar. A versão 2.0 terá que oferecer ao usuário, da mesma maneira como hoje o site se vende aos hotéis, opiniões segmentadas. Ou seja, abandonar a fórmula “saco de gato” onde cabe tudo e todos. Está na hora de evoluir e usar a base de dados para identificar tribos, e oferecer soluções sob medida aos interesses de cada usuário.