UBER & AIRBNB: Quem tem medo da economia colaborativa?
8 de junho de 2015
COPA AIRLINES: No coração das Américas
21 de agosto de 2015

Como Orlando, na Flórida, se transformou em um poderoso complexo de entretenimento e negócios, que recebe 62 milhões de visitantes por ano? Aqui, mostramos como funciona a engrenagem dessa super máquina de diversão e alguns dos segredos do seu tamanho sucesso

Há quarenta anos, a cidade mais visitada dos Estados Unidos, que recebe 62 milhões de turistas por ano, era um imenso laranjal cercado por pântanos com jacarés. O cenário se alterou a partir de 1965. Foi quando da Califórnia, no lado oposto do país, Walt Disney tomou uma decisão que mudaria para sempre a história de Orlando, na Flórida.

O criador do ratinho Mickey percebeu que o seu parque temático Disneyland, então com apenas dez anos de existência, já não tinha mais como se expandir. É que no rastro de sucesso do empreendimento, o local foi quase que imediatamente cercado por vizinhos comerciais oportunistas – de fast foods a hotéis, de locadoras de veículos a lojinhas de souvenires – interessados em tirar casquinha do formidável filão turístico.

Walt Disney aprendeu a lição. Por isto, resolveu buscar outro local para dar vazão aos seus sonhos inesgotáveis. Depois de afastar Miami e Tampa como candidatos devido ao risco de furacões, optou por adquirir imensas áreas em Orlando. Ali começou a ser construído o que é hoje a Walt Disney World, modesta ponta do iceberg do que sua empresa se transformou (leia box). O criador não chegou a conhecer a criatura, nem a formidável indústria de entretenimento que surgiu no local. Um câncer levou o genial desenhista para sempre em 1966, cinco anos antes da inauguração do novo parque temático.

O legado deixou frutos que se multiplicaram, não só através de investimentos adicionais da própria Disney, mas vindo de outros empreendedores. Diz a lenda que o nome da cidade, fundada em 1873, refere-se ao soldado Orlando Reeves, que ali morreu durante um ataque de índios nativos em 1835. Verdade ou mito, o militar teria dificuldade para reconhecer o gigantesco destino turístico de lazer e negócios que o lugarejo se tornou. Hoje, Orlando é parte de uma área maior, o condado de Orange, aí incluídas Kissimmee e Sanford, entre outros menores, e ostenta o título de local que mais concentra atrações e parques temáticos.

Mas esta não é a principal herança de Disney. Surgiu ali uma forte cultura de serviços e hospitalidade, com foco em gentileza e atenção para os detalhes. Com o tempo, este espírito se incorporou ao DNA de todos os lidam direta ou indiretamente com turistas, através de cerca de mil lojas, restaurantes e atrações da cidade. Não é pouca gente: são mais de 500 mil, um em cada quatro dos 2,2 milhões que vivem na Grande Orlando. Só a Disney, de longe a maior empregadora, abriga um batalhão de 60 mil pessoas.

“Aqui não costumamos chamar turistas de visitantes, mas sim de hóspedes”, revela Mark Jaronski, ele próprio ex-Disney por 18 anos, e atual Vice-Presidente de Comunicações Globais da Visit Orlando, o bureau que alavanca negócios para a cidade. “Queremos ser o destino número 1 das famílias, do bebê ao vovô. Nossa meta é que as pessoas fiquem por mais tempo. Para isto incentivamos a vinda de novas atrações, centros de compras, e atividades como golfe”.

Capitaneado inicialmente pelas unidades da Disney, do Reino Mágico ao Reino Animal, dos Estúdios de Hollywood ao Epcot, Orlando hoje oferece cerca de cem atrações adicionais, voltadas para todos os gostos e idades. É possível contemplar baleias saltitantes e golfinhos amestrados no Sea World.  Ou se aventurar na Universal Studios em emocionantes movimentos, reais ou simulados, capazes de revirar estômagos, baseados em desenhos animados como Os Simpsons e Shrek, ou filmes, como A Vingança da Múmia, O Incrível Hulk, ou a saga Harry Potter. Há também entretenimentos de sobra, do famoso Blue Man Group, uma original combinação de arte, tecnologia e música, à magia do Cirque du Soleil. Shows de sapateado combinados a generosas porções de frango e costelas fazem a festa dos glutões no Hoop-Dee-Doo Musical Revue. De danças hula havaianas a batalhas medievais com cavalo e lança, de comédias ao vivo a jantar com piratas, de parques aquáticos a zoológico e jardim botânico, de pistas de corrida Grand Prix ou NASCAR a experiências bíblicas, de estádios esportivos a experiência do naufrágio do Titanic, de voos a 80 metros de altura ou à gravidade zero a caminhar sobre construções de cabeça para baixo, a imaginação a serviço do lazer não tem limites. O Orlando Eye, roda gigante de 120 metros de altura similar à de Londres, junto com aquário e museu de cera Madame Tusseau, são apenas uma nova atração que acaba de se instalar na International Drive, principal rua da cidade.

Até proximidades de Orlando tiraram proveito desta onda. Como Tampa, com os seus famosos Bush Gardens – uma estranha mescla de um zoológico com 12 mil animais, shows da Broadway e montanhas russas que a cada ano parecem se superar em altura e velocidade. Ou Winter Haven, que recebeu o Legoland, parque interativo com foco no público infantil. Isto sem falar no Cabo Canaveral onde se situa o Centro Espacial Kennedy, onde é possível conhecer o ônibus espacial Atlantis aposentado, ou tocar a pedra da lua.

As compras – esporte favorito do turista brasileiro – não foram desprezadas. De grifes famosas às orelhas de Mickey Mouse. Das pechinchas de souvenires de gosto duvidoso e camisetas que não resistem à primeira lavagem, até shoppings sofisticados e outlets completos, a cidade se tornou um dos dez maiores geradores de compras dos Estados Unidos, segundo a revista Fortune.

O Aeroporto Internacional de Orlando teve papel estratégico ao viabilizar voos diretos nacionais e internacionais, principalmente para a América do Sul. Com isto, a cidade passou a perna em Miami, poderoso concorrente na atração de turistas. Ao transportar 36 milhões de passageiros por ano, o aeroporto é o 15º mais movimentado dos Estados Unidos e o 43º do mundo. Na busca pela diversificação, Orlando investiu também no viajante de negócios. Mantém o segundo maior centro de convenções do país, com 200 mil m2 de área, onde acaba de ocorrer o IPW – maior evento de turismo do país (leia box). A cidade abriga ainda o segundo maior campus universitário do país, com quase 60 mil alunos. Para acomodar tanta gente, há um invejável inventário de meios de hospedagem. São 450 hotéis com 119 mil quartos, que se somam a 42 mil residências de aluguel e propriedades compartilhadas para férias.

Qual o segredo do sucesso de Orlando? Praia e mar? Não. Clima espetacular? Nem pensar, pois há lugares bem mais aprazíveis. Natureza deslumbrante? Tampouco. Basta subir na nova atração, a roda gigante Orlando Eye, para constatar uma área plana e desprovida de maiores atrativos.

Orlando deu certo porque possui um setor privado muito ativo e que soube alavancar a decisão inicial de Walt Disney para desenvolver uma vocação turística orquestrada, voltada ao entretenimento. Hoje, consolidada como destino de lazer, negócios e convenções, a cidade conta com um poderoso aliado: o seu centro de convenções e visitantes, conhecido como Visit Orlando (leia box). O modelo bem-sucedido impulsiona contínuos investimentos da iniciativa privada. Forma-se assim um crescente ciclo econômico virtuoso que, a julgar pelos bons resultados seguidos, não tem data para terminar.

O tamanho do império

Se Walt Disney, morto há quase 50 anos, voltasse à vida, não iria reconhecer a empresa que fundou. Além do resort que concebeu para a Flórida, e que ganhou o seu nome, Walt Disney World, o mais visitado do mundo, sua companhia ganhou dimensão de gigantesco império de quase U$ 49 bilhões. Para permitir a gestão, divide-se em cinco segmentos de negócios. O primeiro inclui a cadeia de televisão ABC, os canais Disney e a ESPN. O segundo, cinco destinos de férias com 11 parques temáticos e 47 resorts nos Estados Unidos, Europa e Ásia, quatro navios e 13 clubes de férias. O terceiro são os estúdios que há 90 anos produzem filmes, e que hoje incorporam também a Pixar, Marvel, Touchstone e Dreamworks. Somam-se musicais para teatro como os da Broadway, em New York.  A quarta divisão é de produtos de consumo, com licenciamentos, publicações e 350 lojas Disney. Finalmente, há a Disney Interativa, que administra o entretenimento digital através de jogos, consoles e sites da web.

O poder do Pow Wow

Há 47 anos a indústria de viagens norte-americana se reúne para participar do IPW – sigla de International Pow Wow, e que a cada vez ocorre em uma cidade do país. Coube a Orlando receber o evento em 2015, com a presença de 6.500 representantes de 73 países. Maior gerador de viagens para os Estados Unidos, o IPW proporcionou 100 mil encontros pré-agendados entre compradores e empresas. “O IPW é um evento extraordinário, pois consegue trazer para um só lugar todo mercado internacional de viagens e turismo”, comemora Roger Dow, Presidente da U.S. Travel Association. Confirmando sua afirmativa, a consultoria Rockport Analytics estima que a realização do evento em Orlando deverá agregar até 2018 mais 1 milhão de visitantes, e somar de U$ 1.7 bilhão à sua economia. O país também deverá se beneficiar, ao atrair 8.8 milhões de visitantes que devem produzir U$28 bilhões de receitas nos próximos três anos.

Usina de turistas

O governo cria as condições e o empresariado realizam o turismo. Este parece ser o mote da Visit Orlando, uma associação privada de apenas 30 anos que se mantém através de um contrato de prestação de serviços de marketing com o governo da cidade mais visitada dos Estados Unidos. Sua missão é criar a marca, divulgar e vender o local como o melhor lugar do mundo para lazer, convenções e negócios. A esta hiperativa organização sem fins lucrativos, com representação em dez países, deve ser creditada parte da transformação de Orlando em uma verdadeira fábrica de turistas. Para isto, tem sido apoiada incondicionalmente por 1.200 empresas locais, que formam assim uma poderosa comunidade integrada de hospitalidade. A Visit Orlando representa assim mais de 500 mil pessoas – 25% da população – que promove resultados financeiros de 60 bilhões de dólares anuais. Este modelo não é exclusivo de Orlando. Nos Estados Unidos, há um Visitor & Convention Bureau atuante atrás de todo destino de sucesso.

Publicado originalmente na revista Viagens S.A. (junho 2015)

Arquivo PDF

Comments are closed.