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As três pernas dobradas em torno da cabeça de uma medusa que ilustram a bandeira da Sicília não estão ali por acaso. Herança da dominação mulçumana entre os séculos 9 e 11, simbolizam as três regiões administrativas da ilha em formato de triângulo, localizada bem na ponta da bota italiana.
A medusa parece lembrar ao visitante que é preciso conhecer o local de ponta a ponta. Quem seguir sua sugestão não terá motivos para se arrepender, exceto na hora de voltar para casa.

Desde os tempos de Homero, que com sua Odisseia produziu talvez o primeiro guia de turismo do mundo, há fortes razões para visitar a terra dos míticos ciclopes, a partir de sua história, natureza e cultura fascinantes. 

Colonizada por remotas e diversas civilizações sucessivas, transformou-se em uma amálgama das culturas grega, romana, árabe, normanda, francesa, espanhola, e finalmente italiana.

Nas cidades sicilianas estão bem preservados mosaicos bizantinos, que convivem com templos gregos, anfiteatros romanos, catedrais romanescas e palácios barrocos. Estrategicamente entre a Europa e África, é ali que se estabeleceram no passado e perduram até hoje duas importantes cidades orientais: a grega Siracusa e a árabe-normanda Palermo.

Se houvesse um concurso para determinar onde fica o paraíso terrestre, a Sicília seria forte candidata. Contribuem para isto a visão majestosa do vulcão Etna, o mais alto da Europa em atividade, o céu azul, o clima temperado, a vegetação generosa, a terra fértil, e a vida marinha muito rica. Tantos fatores favoráveis não podiam deixar de influenciar também a gastronomia.

A mistura de temperos árabes e gregos somada a técnicas de cozimento espanholas e francesas tornaram-se a base para uma culinária diferenciada. As raízes são ancestrais, mas a matéria prima local dá o toque final: frutos do mar, atum e peixe-espada, pistache, amêndoas e ricota.

O ciclo virtuoso siciliano completa-se com um povo gentil que soube superar a influência negativa da Máfia.

Em seu lugar, a ilha hoje vive hoje um boom turístico internacional, que aflui em grande número a cidades como Agrigento, Siracusa, Cefalu, Catania e Taormina, entre outras.

Com um a hotelaria bem estruturada e que atende todos os bolsos, ingleses, alemães, japoneses e os próprios italianos do continente são os principais visitantes. São vistos aos borbotões – 15 milhões por ano – explorando a pé vinhedos e plantações de oliveiras, laranjas, e do famoso limão siciliano, em uma agricultura cultivada por famílias que fazem da terra o principal ganha pão.

Como é impossível conhecer todas as cidades da Sicília em uma só viagem, fizemos uma seleção de quatro delas, recentemente visitadas: Catania, Siracusa, Taormina e Palermo.  

CATANIA 

Um límpido mar azul-cobalto que banha praias de pedrinhas alternadas por rochas íngremes registra a atividade vulcânica na região. Impossível dissociar a Catania de seu mais ilustre habitante: o vulcão Etna.

A devastação causada por sua erupção seguida de terremoto no século 17 foi o pretexto para a cidade ser reconstruída um século depois, dando lugar a uma arquitetura barroca que é admirada até hoje. 

O Duomo (catedral), que fica na praça do mesmo nome, é a melhor referência, pois foi construído com materiais recuperados de prédios da era romana. Ao seu lado está o elegante Palazzo Senatoria, instalado em frente à Fonte do Elefante, que se tornou símbolo da Catania.

Numa espécie de sincretismo histórico, o monumento mescla várias etapas da civilização. Assim, a base (o próprio elefante) lembra a civilização Cartagena; o obelisco, a egípcia; e a cruz, palmas e globo se referem ao cristianismo.

Há ainda para visitar a Abadia de SantÁgata, a Praça da Universidade, o Monastério Beneditino e o Castelo Ursino. Imperdível também é o Teatro Romano, construído no ano 300 sobre as bases de outro já existente 200 anos antes. Curiosamente, a estrutura está escondida em grande parte por prédios edificados nos séculos seguintes sobre suas estruturas originais. 

Com 3.329 metros, imponente e silencioso, com cratera fumegante no cume, o Etna tornou-se ícone. As montanhas formadas por suas erupções centenárias comportam florestas e jardins coloridos por plantações de laranja e limão, assim como vinhedos em um solo extremamente fértil beneficiado pelas lavas.

A paisagem, sempre deslumbrante, se modifica à medida que se ascende ao topo. No alto, a vista do horizonte se estende até onde o olho alcança. Durante o inverno, o Etna se cobre de neve, o que permite inclusive a prática do esqui.

SIRACUSA

Colônia fundada em 734 a.c. a partir de um porto natural, Siracusa foi chamada porninguém menos que Cícero como “a mais linda cidade da Magna Grecia”.

Ela se liga por ponte à charmosa ilha de Ortigia, que junto com a Neapolis são os seus principais cartões postais.

Na ilha, as ruínas arqueológicas do Templo de Apolo, santuário do século 4 a.c. refletem o esplendor do antigo centro urbano grego. Ao seu lado, arquiteturas romanas, renascentistas e barrocas promovem na cidade a integração de diferentes camadas de civilização que parecem costurar séculos de história. 

Imponentes edificações de frente para o mar, ruas de pedra, a Piazza del Duomo e restaurantes com excelentes massas e frutos do mar completam o cenário, criando uma atmosfera única.

Em um dos lados da Catedral, reconstruída em estilo barroco após um terremoto, em 1693, sobrevivem colunas de um antigo templo grego no local. Na mesma praça, na igreja de Santa Lucia all Badia, está exposta a famosa pintura “O Enterro de Santa Lúcia”, de Caravaggio.

Na cidade de Siracusa, fica a zona arqueológica, considerada pela UNESCO patrimônio da humanidade. Ali, um épico e bem conservado teatro grego, parte dele escavado na pedra, é até hoje usado para produções.

Convive com ele na mesma área uma arena romana elíptica que, quando inundada, permitia até simular batalhas navais. No mesmo parque, há uma série de cavernas que já funcionaram como prisão. A mais conhecida delas é a Orelha de Dionísio, com acústica que amplifica sons, e faz com que até sussurros sejam ouvidos por toda a área. Não se espante se de repente surgir um cantor improvisado que decida testar ali os seus dotes vocais. 

TAORMINA

“Esta pequena aldeia é apenas uma paisagem. Mas uma paisagem onde você pode encontrar tudo que seduz seus olhos, espírito e imaginação”. Quem escreveu isto sobre Taormina há mais de cem anos foi o famoso autor francês Guy de Maussapant. A mesma impressão se confirma ainda hoje.

Conhecida como a “Joia do Mediterrâneo”, a encantadora cidade instalada de forma quase natural sobre uma encosta de frente para o mar encanta os visitantes.

É destino ideal para qualquer época do ano, graças ao clima sempre ameno e a vocação turística orientada para a diversão e alegria de viver.

As praias banhadas por águas transparentes se completam com um comércio diversificado na rua principal onde não faltam cafés, sorveterias e bons restaurantes. É ali que se pode experimentar o autêntico limoncello, licor à base de limão que nasceu na região e se consagrou pelo mundo. Ou uma deliciosa boccaccia, sanduiche com cara de pizza que vale por um almoço. Ou quem sabe, experimentar uma típica cassata siciliana.

Taormina não vive só do charme da cidade. Ali também está localizado, de forma particularmente privilegiada, um teatro greco-romano.  Desde tempos ancestrais, a audiência enfrenta o mesmo dilema: prestar atenção ao espetáculo, ou então deleitar-se com a vista fantástica dali.

Ela inclui o mar ao fundo, a costa da Calábria logo ali no continente, a cidade de Siracusa ao lado, e o pico do vulcão Etna.  Explica-se por que é o lugar escolhido para eventos culturais, entre eles um festival de cinema.

 PALERMO 

A capital da Sicília impressiona pela arquitetura e o mármore multicromático de suas edificações, resultado da mescla de raízes europeias e árabes. De frente para o Golfo de Palermo, a cidade está cercada por plantações de laranja e limão. Por toda a sua extensão há resquícios de colonizações passadas, de cúpulas e arcos árabes, mosaicos bizantinos, a paredes de palácios normandos. 

A costa marítima fascina pela combinação de cores das águas, do azul intenso ao verde bandeira, e o incrível contraste das pedras escuras com as areias brancas das praias. Em frente ao mar de Palermo se vê a silhueta da Ilha Ustica, formada por um grupo de vulcões, ricos em grutas, cavernas e descobertas arqueológicas.  

 Além da natureza, a cidade está rodeada de localidades famosas pelos seus tesouros artísticos, acumulados ao longo da história.

O vibrante mercado Vucciria dá oportunidade para um contato direto com o povo muito amável. O centro histórico testemunha o passado ilustre, com palácios e diversidade de igrejas, capelas, uma catedral majestosa, prédios públicos e um teatro em estilo neoclássico.    

É um erro considerar a Sicília apenas como uma parte da Itália. Apesar de ser uma região autônoma do país, não espere que surja do nada alguma mama estereotipada que serve pasta aos convidados à mesa. É verdade que a separação do continente a Messina por ferry boat é de pouco mais que três quilômetros.

Mas também é verdade que há um abismo de identidade cultural entre os sicilianos e os italianos. Dá para perceber a personalidade forte da ilha quase que imediatamente. Exemplos? O delicioso cheiro de limão que percorre toda a ilha. O reflexo do sol ao amanhecer e fim do dia nas invariáveis paredes de terracota dos edifícios.

A arquitetura, cultura e história, presença perpétua das várias civilizações que ali viveram. Como se não bastasse, a gastronomia única e a amabilidade do povo com seus inúmeros dialetos. Será que é preciso de algo mais para convencer você a conhecer a Sicília, considerada por viajantes experientes como um dos lugares mais cativantes do mundo?

A Sicília em dados 

  Área: 25 708 km², é a maior ilha da Itália, separada do continente pelo Estreito de Messina e banhada pelos mares Iônico, Tirreno e Mediterrâneo. 

População: 5 milhões de habitantes

Capital: Palermo, quinta maior cidade italiana, com 1.2 milhão de habitantes.

Idioma: apesar do italiano ser a língua oficial, fala-se também siciliano, arbëreshë, dialetos galo-itálicos da Sicília e grego.

Clima: com a mesma latitude da costa norte-africana, suas temperaturas amenas permitem o turismo durante todo o ano.

Turistas por ano: 15 milhões

PUBLICADO NA REVISTA VIAGENS S/A, novembro 2016 

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