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O que caracteriza a hospitalidade? Se fosse definida apenas como um lugar para se instalar em troca de pagamento, qualquer casa – da simples à sofisticada – poderia se tornar instantaneamente um hotel.

É claro que hospitalidade é bem mais do que acolher pessoas em busca de pouso durante uma viagem. Ou este conceito não teria se transformado, ao longo de séculos, em bem-estruturada e próspera indústria.

Diariamente, uma gigantesca onda de milhares de novos hóspedes das mais diversificadas matizes busca viver uma experiência única. Assim, hotelaria pode se traduzir na arte de receber, acomodar e tratar bem o cliente em instalações feitas sob medida e com profissionais capacitados para isto.

Hotéis não pipocam do nada, como cogumelos em final de chuva. Por trás de cada estabelecimento – pelo menos os sérios – há pesados investimentos em estudos de viabilidade econômica, assim como arquitetura, construção e equipamentos feitos sob medida, além da formação de equipe.

Não importa de onde o viajante venha, ele precisa encontrar em um hotel a sensação de ser bem-vindo. Mais que edificações equipadas e cheias de boas intenções, a melhor hotelaria é a que se nutre da arte milenar da hospitalidade.

Essa extensa abertura foi só para frisar que hotel e Airbnb não são a mesma coisa. Basta lembrar o histórico deste ex-aplicativo originalmente despretensioso, filhote da economia compartilhada, e que um dia virou gente grande.

Não mais que dez anos atrás Airbnb não passava de uma sopa de letrinhas que ninguém tinha interesse em decifrar. No estilo irreverente dos criadores o nome combinava duas coisas. As letras iniciais foram emprestadas de “air bed” – colchão inflável, usado nos Estados Unidos quando surgem visitas para pernoitar. Já a segunda parte da palavra veio de “bed & breakfast”, ou seja, cama e café da manhã. Ou seja, virou uma forma de proprietários de casas e apartamentos com quarto sobrando ganharem um dinheirinho com aluguel temporário.

Na época, ninguém deu muita bola para o aplicativo, que nem de longe ameaçava a sólida (e arrogante) indústria da hotelaria. Hoje pode-se dizer que foi sério erro de avaliação menosprezar seu poder de fogo. O Airbnb entrou no universo da hospitalidade pela porta dos fundos, que pelo jeito estava destrancada.

Qual o nervo exposto da hotelaria que permitiu o crescimento explosivo do Airbnb? Seria simplista culpar apenas o preço. Senão restaurantes tradicionais teriam desaparecido, dando lugar apenas a comida por quilo, fast food e padaria.

Até o mais durão dos hóspedes longe de casa torna-se carente de atenções e precisa sentir-se querido. O mérito do aplicativo foi resgatar o toque humano de uma casa de família, que recebe com carinho um parente ou amigo. Como ocorre nestas situações, diante da gentileza do anfitrião, as visitas perdoam pequenos deslizes, falhas e improvisos. Como o chuveiro capenga, o ar condicionado barulhento ou com defeito, a portaria sem segurança em rua escura, o barulho do vizinho, limpeza meia-boca, roupa de cama gasta, decoração piegas, cheiro esquisito do lugar.

Só que na saída (ou seria check-out?) fica um certo gostinho de enganação. Afinal, não se tratou de cortesia, mas de um serviço pago! Cadê a cama confortável, limpeza, silêncio, ar condicionado, chuveiro perfeito, segurança, serviços ao hóspede? Nesta hora dá saudade dos hotéis, que já têm no DNA a hospitalidade profissional.

A reação dos hotéis ao Airbnb demorou, mas veio. Eles aprenderam a tratar seus clientes de forma ainda mais personalizada. Entenderam que no seu papel de anfitriões devem reconhecer que cada pessoa tem sua própria história. E que sensações e emoções determinam escolhas, já que ninguém quer se sentir ocupante provisório de quarto impessoal.

Como irmãos xifópagos, hotéis e turismo dependem um do outro. Juntos, têm imenso poder de motivar pessoas a sair de casa e visitar destinos. Pois aí mora a diferença entre hotéis e Airbnb. Enquanto o aplicativo funciona como ganha-pão adicional e descompromissado para amadores, a hotelaria vive da própria essência do negócio. Até porque, diferente das casas de família, se não fizer direito, fecha suas portas.

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