LIÇÕES DE UM GURU DE RUA
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BLINK (resenha)
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O que ainda não se disse sobre o inofensivo tubarão baleia? Que tem 15 metros de comprimento, umas 15 toneladas, vive até 150 anos, e só pensa em sexo depois dos 30. Ou que tem imensa tolerância – que o faz aceitar, embora de saco cheio, a aproximação de mergulhadores, que teimam em nadar ao seu lado quando o avistam.

Sabe aquela música dos Paralamas do Sucesso “entrei de gaiato num navio…entrei pelo cano” ? Parece que foi feita sob medida para a minha experiência em um live-aboard de sete dias, em busca de encontros com a natureza peculiar que tanto encantou Darwin… Tudo começou quando resolvi me dar de presente uma segunda visita ao arquipélago de Galápagos, no Oceano Pacífico, a 600 milhas do Equador. Só não queria repetir o trajeto que fizera 25 anos atrás. E muito menos passar pelo embaraço de ser reconhecido depois de tanto tempo por George, a mais velha das tricentenárias tartarugas gigantes que habitam o local… Por isto, me engajei no que pareceu à primeira vista um programa diferente: uma excursão formada por mergulhadores. E assim ver o  local pelo prisma do mar. Confesso que não me aprofundei nas informações sobre a viagem. Como descobri tarde demais, já no local, a idéia fixa do grupo, e principal motivo da viagem, era mergulhar até cinco vezes por dia, com uma meta maior, a de fazer contato com o tubarão baleia, o maior peixe do mundo. Uma expedição anterior neste mesmo local se frustrara, pois o bicho não dera as caras… O que prometia ser uma experiência singular foi se revelando, para o meu gosto e prioridades de vida, uma atividade tediosa. E digo isto por três razões. Primeiro, eu me vi entre uma tribo de adoradores do mergulho e que realizavam ali um sonho de vida. Deixo claro: a maioria era formada por pessoas adoráveis, e que se tornaram bons amigos. Mas tínhamos uma diferença conceitual: enquanto eu considerava mergulhar um evento ocasional, complementar à viagem, para os demais era obsessão, essência do tour. Segundo, barco em mar aberto balança muito, e tomar remédio contra enjôo de seis em seis horas consegue transformar  qualquer ser humano em zumbi cambaleante. E terceiro, esta aventura é para os experientes em alto mar, o que inclui não se apavorar ao compartilhar a água com tubarões…

No confortável barco Deep Blue éramos 17 passageiros – oito deles brasileiros. Na primeira reunião, fomos apresentados uns aos outros e à simpática e competente tripulação equatoriana. Ouvindo a experiência de cada um, confirmei ser um animal de outro zoológico. O  mais experiente deles explicou que parara de contar seus mergulhos no dia em que atingira 5 mil. O piorzinho deles somava uns 300. Correndo por fora, um judeu ortodoxo que orava por todo o barco somava quase 60 mergulhos, mas não vale, pois certamente contava com a ajuda de Jeová… Quando revelei que só tinha 29 mergulhos, silêncio geral. Para angariar simpatias, comentei que era o dia do meu aniversário. Não resolveu o problema, mas ganhei um bolo da tripulação.

Dizem que é raro avistar tubarão baleia. Consta que até Jacques Cousteau só viu dois deles em toda a vida. Sei não. Parece mito, pois o peixão é bem popular e está na moda. O Google registra, com fotos e textos à vontade, quase 8 mil entradas sobre o animal em português, número que em inglês salta para 692 mil! Como paparazzis do mar, gente de todas as nacionalidades persegue, fotografa e conta as intimidades do bicho, numa flagrante invasão de privacidade. Pois não é que até eu – mergulhador de meia tigela – na primeira entrada no mar, dei de cara com um deles? E não parou aí. Avistei ainda uns 5 ou 6, estatística medíocre perto da média do grupo, que chegou a 20. Cansado da cena repetitiva, perguntei ainda no primeiro dia ao líder do grupo, Gabriel Ganme, o que vinha depois. Ele quase me fuzilou com os olhos. Soube que o barco ia ancorar três dias no Arco de Darwin – uma majestosa formação de rocha cercada de correnteza por todos os lados. A 17 horas de navegação de qualquer resquício de civilização, o local dá náusea até em foto… Entrei em greve de mergulho, no que fui solenemente ignorado… Aproveitei para ler um livro, embalado pelo movimento do barco “mar-céu-mar-céu”, e regado a doses generosas de dramin.

O que ainda não se disse sobre o inofensivo tubarão baleia? Que tem 15 metros de comprimento, umas 15 toneladas, vive até 150 anos, e só pensa em sexo depois dos 30? Ou que tem imensa tolerância – que o faz aceitar, embora de  saco cheio, a aproximação de mergulhadores, que teimam em nadar ao seu lado quando o avistam? Ou acrescentar que com sua boca de um metro e meio sempre aberta, processa mais de 6 mil litros de água por hora na fome insaciável por plânctom? E que de vez em quando engole por engano um atum ou lula, causando problemas intestinais dos quais eu quero estar bem longe na hora H?

Quanto às outras sete espécies de tubarões que habitam a região, das 350 que existem, e que nos cercaram do primeiro ao último mergulho, ninguém deu bola. No máximo foram coadjuvantes no fundo de fotos, entre centenas de peixes menos votados… Deprimidos com o desprezo geral, os tubarões passaram a maior parte do tempo, ou dormindo ou levando a família para passear…

Quando voltei a São Paulo, depois de que pesquisou rapidamente na internet tudo sobre o tubarão baleia, um amigo disse que acabara de economizar tempo e dinheiro para outras viagens. Eu nem precisava desta piadinha. Bastava ter lido antes de viajar, na própria net, a definição de um inglês sobre esta viagem, onde avistou 52 tubarões baleia em 3 dias: “O Arco de Darwin não é coisa para iniciantes. Como os experientes sabem, só há tubarões com correnteza, e só há tubarão baleia quando a visibilidade é ruim”. Correnteza? Má visibilidade? Barco balançando? Mas não era isto que queria… O mesmo cara registra de forma bizarra a impressão ao avistar o peixão: “É maior que um ônibus londrino de dois andares”. Bem, já que se falou no assunto, acho que prefiro os ônibus ingleses!

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